Publicado no Portal DW –
Jovens adeptos do “freeganismo” mergulham em caçambas em busca de produtos jogados fora por supermercados e encontram verdadeiros banquetes. Estima-se que Alemanha descarte 11 milhões de toneladas de comida por ano.
Luis, de 27 anos, mora na cidade de Erlangen, na Baviera. Colombiano, ele divide um apartamento com outros quatro estudantes – e não se envergonha de dizer o que faz quando a geladeira de casa começa a esvaziar: mergulha no lixo.
Pelo menos duas vezes por mês, os estudantes vasculham caçambas de lixo de supermercados da cidade. Dotados de luvas plásticas, sacolas e lanternas, eles abrem o tonel para coletar montes de carne grelhada, quilos de arroz, salsichas, pães e frutas.
“A Alemanha é um país tão rico que até no lixo dá para encontrar comida boa”, conta Luis.
Nos últimos anos, aproveitar comida descartada se tornou um verdadeiro movimento, conhecido como “freeganismo” e que conta com cada vez mais adeptos na Alemanha.
“A razão pela qual grande parte da comida é jogada fora é por falhas nas embalagens ou porque o produto excedeu a data de validade. Depois disso, os supermercados não são mais autorizados a vendê-la”, diz Lara, que divide apartamento com Luis.
Estima-se que os alemães joguem fora 11 milhões de toneladas de alimento por ano, quantidade equivalente a mais de 20 bilhões de euros. Na França, o Parlamento aprovou recentemente uma lei proibindo supermercados de destruir comida não vendida.
Mercados alertam para risco
Para grandes comerciantes, o problema do desperdício de comida gera uma série de questionamentos incômodos. Maior rede varejista alemã, a Aldi, procurada pela reportagem da Deutsche Welle, preferiu não se manifestar.
A Lidl, porém, disse que “geralmente luta para evitar o desperdício de produtos alimentícios” e que alimentos seguros para o consumo são doados para restaurantes populares, que distribuem refeições para de graças ou a preço módico.
Thomas Bonrath, da rede de supermercados Rewe, que tem mais de 3 mil lojas na Alemanha, afirma desconhecer problemas significativos com os “freeganos”. Mas alerta que “essas pessoas nem sempre estão aptas a determinar se os produtos com data de validade vencida ainda são comestíveis”.
A rede de mercados Kaufland se manifestou de forma parecida: “Estamos cientes de todas as pessoas não autorizadas que coletam produtos alimentícios no lixo. Entretanto, advertimos fortemente contra isso, porque não podemos ser responsáveis por qualquer tipo de risco à saúde.”
Movimento silencioso
Enquanto as empresas alertam e posicionam-se contra a ação, os estudantes de Erlangen não compram a ideia. Dizem que o estilo de vida que levam é a prova de que o descarte de comida é um desperdício.
O argumento é de que pelo fato de nutrirem-se a partir do lixo, a segurança alimentar é essencial. Primeiramente, diferenciam e isolam o que é comestível do que pode ser prejudicial. Alimentos mofados voltam para o lixo, enquanto o restante é limpo e colocado na geladeira.
Ainda assim, eles estão a par de que comer a partir do lixo é considerado inusitado, no mínimo. Muitos nem mesmo comentam com o pai ou com a mãe a respeito.
Kerstin, de 24 anos, estudante de engenharia elétrica, diz que os pais ficaram horrorizados quando ela comentou sobre as caçambas. Eles não entenderam o fato de que isso não seria por falta de escolha, afirmou. Hoje, a jovem conta que não toca mais no assunto.
Churrasco para 15
Apesar de existir há anos, o “freeganismo” ainda é cheio de incertezas. De acordo com a lei alemã, remover comida a partir de uma lata de lixo fechada é considerado crime. Se o recipiente está aberto e tem fácil acesso, é invasão de propriedade.
Ainda assim, quem for flagrado “mergulhando” nas caçambas dificilmente precisa temer uma grande punição. Certa vez, Nadja, uma das colegas de apartamento de Luis, e uma amiga foram pegas por um empregado de um supermercado. Quando a polícia chegou, nem mesmo registrou ocorrência.
Outra prioridade: deixar tudo no lugar. Os “freeganos” organizam o lixo nos recipientes para que ninguém perceba que estiveram no local.
“É tanta coisa que, às vezes, podemos fazer uma festa”, diz Luis, lembrando que, certa vez, ele e outros jovens encontraram carne suficiente para um churrasco para até 15 pessoas.
O pesquisador Benjamin Brestle contribuiu para a reportagem.