E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva a dois tristes 11 de setembro. César, ao me enviar o texto, comentou: “que data pesada!”.
César, dando mais substância à sua expressão, acrescento: trabalhava na assessoria de imprensa da Liderança do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo quando a televisão começou a nos mostrar o ocorrido em Nova Iorque, mas nós já estávamos vivendo, naquele momento outra tragédia: o assassinato por traficantes na noite anterior do Prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, grande personalidade política da cidade e região, uma força que emergia dentro do partido.
Lembro de um deputado, José Zico Prado, triste com a morte do Toninho, indo à nossa sala para nos chamar para o velório e de sua frase: “Até no azar damos mais azar ainda. Morte do Toninho e vem esta tragédia nos Estados Unidos…”. Que data pesada, César! (Washington Araújo).
Vamos ao texto do grande cronista:
“Caro Washignton, eu tinha acabado de sair do barbeiro quando vi na tevê as imagens de um avião se chocando contra uma das torres gêmeas. Achei aquilo tudo muito estranho, fantasioso. A cidade de Nova Iorque é tão artificial que parece estar permanentemente sob a projeçao de super-holofotes.
Não era mentira. Lembro-me de ter comprado a “Newsweek” para me inteirar sobre o assunto. Eu era professor de inglês de cursinho e à época eu achava que comprar revistas em inglês era uma boa maneira de me manter atualizado com as notícias do mundo ao mesmo tempo em que eu praticava a língua-alvo.
Eu já tinha cerca de trinta anos na época do famigerado ataque terrorista. Coisa de louco, portanto.
O curioso é que a data ainda não me remetia a algo terrível que ocorrera aqui na América do Sul anos antes. O golpe militar no Chile, que assassinou entre tantos outros o presidente Salvador Allende, ocorrido em 11 de setembro de 1973, completa cinquenta anos,
Pelo que entendi a respeito da situação atual no Chile, há outra vez uma forte polarização no país. No meio do torvelinho, há um bando de gente disposta, mas muito disposta mesmo, a reescrever a história, dizendo que não foi bem assim, que o golpe militar salvou o país da bancarrota e do comunismo.
Eu não queria estar na pele dos professores de história neste momento. Como explicar para a juventude filmes como os de ficção “Machuca”e “Tony Manero” e o documentário “A batalha do Chile”? Como apagar as fotos de Evandro Teixeira, fotógrafo que tirou fotos dos presos chilenos e do enterro de Pablo Neruda? Como tirar de circulação Victor Jara?
É verdade, sendo professor de inglês, eu me vi obrigado a me interessar um pouco pela história dos países anglófonos, nem que fosse como sinal de cultivo intelectual, para parecer mais inteligente do que eu era. Enfim, não sou historiador, mas quero saber e defender a verdade.
Por isso, pergunto: Quem é capaz de escovar a história a contrapelo tão bem quanto os historiadores? Precisamos saber o que houve e o que não houve com este cavalo que nos fez chegar até aqui, mesmo sabendo que provavelmente poucos nos darão a devida atenção.
Não sei quanto a vocês, mas acho demasiadamanete irônico termos no Rio de Janeiro uma avenida chamada Salvador Allende, justamente na zona oeste, a região que mais cresce da cidade, região que parece estar apagando o seu passado supostamente em prol de um futuro glorioso.
É, a semana começou quente. E tem mais, amanhã é aniversário da minha mãe, Dionner Sotero Batista, que completa oitenta e quatro anos. Sem querer fazer folclore, ela é uma testemunha desses tempos. Ela gosta de mar, mas odeia shopping.”
Foto: Presos chilenos na época do golpe no Chile, de Evandro Teixeira
Agência Brasil
Exposição traz fotos de Evandro Teixeira nos 50 anos de golpe no Chile
Mostra é promovida pela Embaixada do Brasil naquele país
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.