Por Luis Pimentel – Compartilhado do IMMub –
“Conheci a Clementina / Graças a esta senhora, que é nossa e da Glória/ (…)Clementina no falsete / Lembrava o Catete do grande Irineu / Pela luz do Divino / Ao ouvir Clementina/Jesus era eu.”. O samba é de Wilson Moreira e Nei Lopes, dois a quem a Negra Quelé seguramente abençoou.
Segundo a maioria dos registros, Clementina de Jesus, que morreu em 1987, teria nascido em 1901 (no dia 7 de fevereiro) e estaria fazendo 120 anos agora. Segundo outros, ela poderia ter nascido também em 1900, em 1902 ou até mesmo em 1907. É que os cartórios de Valença (RJ), onde a cantora veio ao mundo, se embaralham seriamente com os registros de início do século passado.
Quelé sempre foi respeitada por muitos como fonte de eterna inspiração e admiração. Dona da voz rasgada, rachada e espontânea mais impressionante do nosso cancioneiro, foi chamada pelos compositores Moacyr Luz e Aldir Blanc, noutro samba clementino, de “rainha negra da voz/mãe de todos nós”.
“Não vadeia, Clementina! Fui feita pra vadiar”. O refrão, por ela mesma entoado em aberturas de shows, precedia à exaltação do compositor Elton Medeiros: “Clementina, cadê você? Cadê você? Cadê você”? Aos chamados, respondia com o grito de Benguelê, pranto chorado de Pixinguinha, e o resto era festa.
Começou a cantar só aos 63 anos de idade, depois de ser descoberta pelo poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho. Clementina entoava uns cantos religiosos entre amigos e cervejas na Taberna da Glória, quando Hermínio bateu os ouvidos em sua voz de pedra rachada e viu ali o diamante bruto que poderia e deveria ser lapidado (mas não tanto).
Quelé logo tornou-se amiga do produtor, para quem desfiou um rosário de jongos, emboladas, lundus e incelenças de fazer chorar. Algum tempo depois, Clementina já brilhava ao lado de outros amigos (desta vez, Aracy Cortes, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento e Anescarzinho do Salgueiro), no espetáculo musical Rosa de Ouro, concebido e dirigido pelo próprio Hermínio. Quem não pôde ver o show tomou conhecimento daquela voz particularíssima no ano seguinte, quando foi lançado o disco com o repertório do show. E o amor entre Clementina e a MPB foi sempre igualzinho ao amor que uniu a artista e Hermínio: à primeira vista, ao primeiro som, ao primeiro batuque.
Clementina de Jesus gravou grandes autores, como Pixinguinha (Benguelê), Wilson Batista (“Mulato calado”), Caetano Veloso (“Marinheiro só”), Bubu e Jamelão (“Esta melodia”), Zé Ramos da Mangueira (“Nasceste de uma semente”), Cartola (“Alegria e Ensaboa”), Paulo da Portela (“Olhar assim”), João Bosco e Aldir Blanc (“Incompatibilidade de gênios” e “Honorato”) e Dona Ivone Lara (“Sonho meu”).
Sempre que vejo nos jornais referências a discos mais “vendidos” e cantoras idem, eu me pergunto: Por que será que Clementina nunca frequentou essas paradas? Vendia pouco e era apreciada por poucos e raros. Que falta que faz sua voz de trovão nesses momentos de seca.