Por Angelo Attanasio, compartilhado de BBC News –
No Paraguai, a vida parece ter retomado seu curso. Na última segunda-feira, 15 de junho, foram reabertos restaurantes e bares, além de academias e centros esportivos.
Os paraguaios agora também podem comprar ingressos de teatro e drive-ins e participar de cerimônias religiosas. Claro: com capacidade limitada, usando uma máscara e respeitando o distanciamento social.
Embora a América Latina tenha se tornado nas últimas semanas o epicentro da pandemia do novo coronavírus em todo o mundo – entre os 15 países com o maior número de casos confirmados, quatro são latino-americanos: Brasil, Peru, Chile e México, segundo a Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o Paraguai volta ao normal após três meses de confinamento.
E faz isso com números invejáveis: até esta segunda-feira (22 de junho), houve só 1.379 casos e 13 mortes, com apenas dois óbitos no último mês.
O Paraguai tem uma taxa de duas mortes por milhão de habitantes, a mais baixa da América do Sul. Bem longe dos 210 por milhão no Brasil, dos 36 na Colômbia, dos 20 na Argentina e até das seis mortes por milhão de habitantes do Uruguai.
Mas como o país conseguiu isso?
1. Uma resposta imediata
“Uma das principais razões é que o governo paraguaio agiu com muita rapidez”, explica Carin Zissis, diretora do site de análise Sociedade das Américas/Conselho das Américas (AS/COA), que publicou um relatório esta semana sobre a pandemia na América Latina.
No início de fevereiro, quando nenhum caso de covid-19 havia sido registrado ainda, o governo de Mario Abdo Benítez suspendeu os vistos para todos os cidadãos da República Popular da China, bem como para qualquer estrangeiro que viajasse para a China continental.
Então, em 10 de março, três dias após a confirmação dos dois primeiros casos no país – os de dois cidadãos do Equador e da Argentina – Abdo, apoiado pelo ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, decretou o isolamento preventivo em nível nacional.
Entre as primeiras medidas, estavam a suspensão das aulas nas escolas, a restrição de todos os eventos públicos e privados e a declaração do toque de recolher noturno.
Isso foi um dia antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar o surto de coronavírus uma “pandemia”.
“Nosso argumento era que esses casos vieram de países onde a transmissão do vírus ainda não era comunitária”, diz Juan Carlos Portillo, diretor-geral de Serviços de Saúde do Ministério da Saúde Pública e Bem-Estar Social do Paraguai.
“A pergunta que fizemos foi: ‘Podemos descartar que não temos circulação comunitária do vírus em nosso país?’ E a resposta foi não. Além disso, sabíamos que nosso sistema de saúde é fraco”, acrescenta Portillo, “e que tanto a estrutura quanto os profissionais de saúde estava sob pressão há semanas pela pior epidemia de dengue no Paraguai.”
Após alguns dias, as autoridades decretaram quarentena total, uma das mais rigorosas da região.
Os paraguaios tinham que ficar trancados em suas casas e só podiam comprar comida e remédios, em caso de emergência ou se fossem trabalhadores essenciais.
“Ao contrário de outros governos, como o México ou o Brasil, o Paraguai conseguiu enviar uma mensagem clara e agiu de forma consistente”, explica Zissis, “o que permitiu à população respeitar as decisões e agir com responsabilidade.”
“Tanto a forte liderança política quanto a atitude positiva da população foram fundamentais para alcançar a contenção da disseminação do vírus”, concorda Luis Roberto Escoto, representante do Paraguai da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), escritório regional da OMS.
Além disso, o governo de Abdo construiu dois hospitais de emergência e aumentou os leitos de terapia intensiva. Atualmente, oito pessoas estão hospitalizadas por covid-19 e apenas uma delas em terapia intensiva.
No início de maio, o governo estabeleceu a “quarentena inteligente”: pouco a pouco, e de acordo com um calendário dividido em quatro fases, algumas medidas de confinamento foram relaxadas e alguns setores econômicos foram abertos.
Na segunda-feira passada, o Paraguai entrou na terceira fase, que durará até o início de julho.
2. Isolamento geográfico
O escritor paraguaio Augusto Roa Bastos descreveu seu país como uma “ilha cercada por terra” no coração do continente.
E o sucesso da estratégia do Paraguai não poderia ser entendido sem levar em conta seu isolamento geográfico.
O Paraguai não apenas não tem saída para o mar, mas grandes áreas de seu território são cobertas por selva ou savana.
Além disso, sua capital, Assunção, tem menos tráfego aéreo em comparação com outras grandes cidades da América do Sul, como Buenos Aires ou São Paulo.
E há outro elemento a considerar: a densidade de sua população. Os países e cidades mais densamente povoados foram os mais afetados por essa epidemia.
No Paraguai, por outro lado, cerca de 7 milhões de pessoas vivem em um território três vezes maior que o do Uruguai, que tem a metade da população – outro país, aliás, que conseguiu conter a pandemia com uma estratégia bem-sucedida.
Portanto, a densidade populacional no Paraguai é muito baixa, apenas 17 pessoas por quilômetro quadrado, o que o beneficiou.
“Outros países com tamanho e população pequenos, como Uruguai e Costa Rica, alcançaram resultados significativos na luta contra o coronavírus”, explica Zissis, “enquanto países maiores ou muito mais populosos, como Brasil ou Estados Unidos, têm desafios maiores.”
No entanto, Zissis continua: “Ser pequeno não é uma condição suficiente para conter o vírus, e o caso do Panamá – onde até 17 de junho havia 22.597 casos e 470 mortes, segundo dados do John Hopkins Center – demonstra isso”.
Outro fato demográfico que explica a baixa mortalidade no Paraguai é que 8 em cada 10 infectados, segundo o Ministério da Saúde Pública, tinham menos de 39 anos, ou seja, uma faixa etária com menor risco de complicações e mortes.
Por outro lado, o Paraguai compartilha mais de 1,3 mil quilômetros de fronteira com o Brasil, atualmente o segundo país do mundo com mais casos de coronavírus do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
E aqui pode haver outra chave para o sucesso do Paraguai: sua política de fronteiras.
3. Fronteiras fechadas
O governo paraguaio fechou suas fronteiras terrestres com Argentina, Bolívia e Brasil em 24 de março e hoje não contempla sua reabertura.
O presidente paraguaio chegou a afirmar que o Brasil era “a principal ameaça” na luta contra a pandemia, devido ao alto número de infecções e mortes.
Soldados paraguaios foram enviados à região de fronteira para impedir a entrada de automóveis e ônibus por comerciantes e residentes brasileiros.
Também foram erguidas cercas de arame farpado na cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero.
“Enquanto houver evidências de que a situação no Brasil não esteja melhorando, não há motivos para abrir as fronteiras”, diz Portillo, que resume a atual relação entre os dois países com uma frase: “Se o Brasil espirrar, o Paraguai terá uma pneumonia”.
Mas, desde o início, surgiu outro problema a ser resolvido: o dos paraguaios e estrangeiros residentes que queriam retornar ao país.
O governo organizou uma rede de dezenas de abrigos em todo o país. Dezenas de hotéis, escolas e edifícios militares e religiosos foram montados para que todos aqueles que desejassem retornar ao Paraguai passassem 14 dias em quarentena.
Até o momento, cerca de 6 mil pessoas foram acomodadas nesses abrigos, para quem o Estado paraguaio fornece alimentos e serviços de saúde, mas também houve reclamações sobre o tratamento e as condições de muitos desses locais.
“No início, nunca teríamos imaginado que tantas pessoas viriam”, explica Escoto. “Mas uma decisão muito boa foi mostrada.”
Mais de 60% de todos os casos de coronavírus registrados no país foram detectados nesses abrigos, o que impediu a propagação do vírus por todo o país.
Preocupação com um novo crescimento
Embora o Paraguai esteja voltando ao normal e as autoridades não escondam sua satisfação com o sucesso de sua estratégia, elas também consideram que o perigo ainda não passou.
“A complacência, a sensação de triunfo, pode ser nosso pior inimigo”, diz Escoto.
“O fato de nossa população não ter sido infectada de maneira maciça”, acrescenta Portillo, “significa que continua desprotegida, não tendo desenvolvido anticorpos.”
“Isso nos força”, conclui Portillo, “a manter uma postura de alerta.”
O outro foco de atenção são as consequências econômicas que a quarentena prolongada pode ter sobre a população, particularmente a que é empregada no setor informal.
Um relatório publicado pelo Banco Mundial previa uma queda no PIB do Paraguai de 2,8%, menor que a de outros países da região, mas igualmente relevante em um país onde um em cada cinco cidadãos, segundo a Comissão Econômica. para a América e o Caribe (CEPAL), vive em extrema pobreza.