30 anos da deflagração da vala clandestina de Perus: muito tempo para quem espera e tempo demais para quem oculta, agride, mente, se omite

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Por Camilo Vannuchi, jornalista e escritor

Alexandre Vannucchi Leme foi morto no Doi-Codi, sob tortura, em 17 de março de 1973. Tinha 22 anos. Cursava o quarto ano de Geologia na USP e colaborava com a Ação Libertadora Nacional, organização que até 1969 fora comandada por Carlos Marighella.




Seu corpo foi enterrado no Cemitério Dom Bosco, em Perus, sem que a família fosse comunicada. Como indigente, portanto. Para que não o descobrissem e tentassem exumá-lo. Sobretudo, para que não vissem o corpo. Por via das dúvidas, jogaram cal sobre o cadáver para acelerar o processo de decomposição e dificultar sua identificação. E a identificação das marcas de tortura. Sua família conseguiu localizá-lo dias depois. E exumá-lo em 1983, passados 10 anos, trasladando os restos mortais para Sorocaba, sua cidade natal.
Durante a ditadura, foram enterrados em Perus pelo menos 31 militantes políticos executados deliberadamente pela repressão. São os corpos dos quais existem documentos que comprovam seu sepultamento (ou sua ocultação) ali. Pode haver mais.
Em 1990 foi descoberta uma vala clandestina, criada em 1976, para ocultar os restos mortais de vítimas de grupos de extermínio, da Rota ou das equipes de tortura. Foram localizadas ali 1.049 ossadas. Acredita-se que uma dezena de desaparecidos políticos estejam entre elas. Este número pode chegar a 42. Até 2017, quando esta foto foi feita, apenas três tinham sido identificados: Dênis Casemiro, Frederico Mayr e Flávio Molina.
Em 2014, uma parceria entre os governos Dilma (nacional) e Haddad (municipal) permitiu que os trabalhos de identificação fossem retomados, graças à constituição de um centro de arqueologia e antropologia forense na Unifesp. Em 2018, mais dois desaparecidos foram identificados: Dimas Casemiro, irmão de Dênis, e Aluísio Palhano.
No dia 4 de setembro de 2017, o cemitério de Perus ganhou uma placa com os nomes dos 31 mortos e desaparecidos que foram enterrados no local. Entre eles, Alexandre Vannucchi Leme, o “Minhoca”, meu primo. A iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania foi uma resposta a uma das 36 recomendações expressas no relatório final da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, publicado em 2016.
Tive a honra de ser um dos integrantes da comissão. Também foram plantados 31 ipês, em homenagem aos 31 mortos. Tive a oportunidade de fixar um papelzinho com o nome de Alexandre em uma das árvores.
Isso foi há três anos. De lá pra cá, o bosque não vingou e o Brasil elegeu como presidente um entusiasta da tortura, do genocídio, do desaparecimento forçado. Alguns ipês resistem, magrelos, outros fenecem. Resta alguma esperança. Não muita.
Nesta sexta-feira, 4 de setembro, a deflagração da vala clandestina de Perus completa 30 anos. É muito tempo para quem espera. É tempo demais para quem oculta, agride, mente, se omite.
Onde estão os desaparecidos políticos?
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