32 horas de operação policial de um estado que despreza a vida e o acesso a direitos dos moradores de favelas

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Foram 32 horas e 40 minutos de duração da 16º operação policial no Conjunto de Favelas da Maré, que começou na terça-feira (11), às 4h52, e terminou no início da tarde desta quarta-feira (12).

Compartilhado de Redes Maré




A direção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, bem como o governador Cláudio Castro, divulgaram seus balanços oficiais por volta das 13h40. A polícia informou, em nota, que foram apreendidos “um fuzil AK-47 e entorpecentes a serem contabilizados” e que, também, chegaram a recuperar três carros roubados. Na imprensa, os números foram maiores: 11 fuzis, uma espingarda e oito veículos, além de 24 pessoas presas. Também para a grande mídia, Castro usou a palavra “sucesso” para definir a operação, lamentou a morte do policial do Bope e declarou que a operação “cumpriu todos os requisitos da ADPF,e, ainda, disse ter “seguido 100% do que a ADPF pede que seja feito”.

A Redes da Maré, que atua há mais de duas décadas nas favelas da Maré, tem como uma de suas estratégias institucionais buscar construir formas de garantir a legalidade das ações do Estado na região. É nessa perspectiva que temos, ao longo do tempo, reunido as informações sobre as operações policiais e ao vermos, de forma recorrente, as inverdades sobre os fatos que acontecem nestes momentos, não poderíamos deixar de trazer um balanço geral sobre o que vivemos nos dois dias da 16ª operação policial nesse território.

Foto: © Arthur Viana

A operação policial deixou cinco pessoas mortas, sendo uma delas um policial do Bope, ao contrário do que declarou o governador Cláudio Castro, ao falar em três mortes. Além disso, deixou sete pessoas baleadas. Também, ao menos cinco preceitos da ADPF 635, ou ADPF das Favelas, foram desrespeitados, ao contrário da declaração oficial. São eles: 1) Ausência de equipamento GPS e equipamento de gravação de áudio e vídeo no uniforme dos agentes; 2) operação próxima a escolas e postos de saúde; 3) descumprimento de inviolabilidade de domicílio; 4) ausência de ambulância para socorro às vítimas; 5) não realização de perícia em caso de homicídio.

A economia local das 16 favelas da Maré foi diretamente afetada por esse cenário. O que se viu na manhã desta quarta-feira com a permanência do Bope, veículos blindados e o reforço do Choque, foram ruas esvaziadas e portas dos estabelecimentos fechadas. Em uma conta rápida, um restaurante da rua Teixeira Ribeiro, no Parque Maré, que vende 200 refeições a R$ 25 cada, deixou de ganhar R$ 10 mil em menos de dois dias, como nos relatou um comerciante.

Nesta quarta-feira, a Clínica de Saúde da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros, amanheceu metralhada. As escolas, que ontem não abriram as portas, afetando quase 15 mil estudantes, permaneceram hoje fechadas. A equipe da Redes da Maré recebeu, desde as primeiras horas de ontem, 29 relatos de violações de direitos humanos.

Abaixo, estão algumas delas, que, com poucas diferenças, se repetem nas diversas favelas:

1) mulher teve a casa invadida por policiais, as roupas retiradas do armário e espalhadas no chão, sofá e cama revirados, uma quantia em dinheiro roubada e consumiram mantimentos.

2) homem de 29 anos foi retirado de dentro de casa, agredido na frente dos filhos e sequestrado por policiais que ficaram circulando com a vítima dentro do blindado entre Salsa e Merengue e Nova Holanda por quase três horas. Depois, foi liberado na delegacia e encontrou a família bastante machucado.

3) um caso em que a pessoa estava fora de casa e, ao retornar, o local estava arrombado e remexido.

Durante a operação, chegaram notícias de que policiais usaram uma tática ilegal, conhecida como Troia, que é fazer tocaia em casas e surpreender “o alvo”, usando as palavras do governador. Foi neste contexto, inclusive, como mostram áudios que circularam pelas redes sociais, que os PMs teriam sido baleados.

Foto: © Arthur Viana

Todos os esforços do trabalho da Redes da Maré, no processo de levantamento de dados sobre a violência armada, estão na direção de monitorar se as ações do Estado desrespeitam preceitos legais. Como fica evidenciado, a cada operação, o Estado não oferece respostas práticas para construir condutas de redução de danos.

O balanço oficial do poder público passa a ideia de que a operação policial de mais de 30 horas foi um sucesso. Ao desprezar a garantia do direito do morador de favela em seus vários níveis, de acesso a serviços essenciais até proteção à vida, o Estado dá um recado evidente de que vale tudo para criar um verniz de que a segurança pública está indo muito bem.

Mas já passou da hora de mudar a lógica do inimigo a ser combatido, da polícia que faz um enfrentamento onde ninguém ganha. Pelo contrário. A conduta de enfrentamento gera mortes e criminaliza o morador. E ela é sustentada pela normalização da violência endossada pela ideia de que os fins justificam os meios.

Compreender, a partir da exposição desses dados, que territórios favelados não são vistos e muito menos tratados como bairros que convencionalmente são chamados de nobres é o primeiro e fundamental passo para o início de uma reparação histórica. O modelo de segurança pública a partir da repressão, que desconsidera fatores culturais, sociais, que não se reconhece racista, vem dando errado. Ele produz mais violência e agrava quadros de saúde mental, como depressão, estresse pós-traumático e ansiedade, como mostra estudo Construindo Pontes, pesquisa realizada pela Redes da Maré em parceria com Queen Mary University e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele escancara e aprofunda o abismo entre a realidade do morador de favela e do morador de um condomínio fechado na zona oeste ou a beira mar na zona sul.

Neste cenário, nós perguntamos como tornar esses fatos razão suficiente para toda à sociedade carioca dizer BASTA!

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