Coronéis do Exército uruguaio prenderam em território gaúcho militantes contrários à ditadura naquele país
Por Humberto Trezzi, compartilhado de GZH
Na foto: Lilian reencontra a filha Francesca após cinco anos, em 1983
Um dos mais famosos crimes cometidos durante ditaduras militares no sul da América teve um capítulo importante nesta semana, com a prisão de dois coronéis, hoje reformados, do Exército uruguaio. Ambos estão envolvidos no sequestro dos funcionários públicos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz, que ocorreu em Porto Alegre, em novembro de 1978.
Os oficiais uruguaios Carlos Alberto Rossel Argimón e Glauco Yanone foram presos na quarta-feira (7) por determinação da juíza penal do 27º turno de Montevidéu, Sílvia Urioste. É uma prisão para preservar as garantias do processo judicial, algo equivalente no Brasil a uma prisão preventiva.
Lilian e Universindo estavam refugiados na capital gaúcha, na época em que tanto o Brasil como o Uruguai estavam sob ditadura militar. Uma equipe do Exército uruguaio (da Companhia de Contra-Informações, um organismo de espionagem) se deslocou desde Montevidéu a Porto Alegre, onde localizou e prendeu os dois uruguaios, que eram militantes de um partido de esquerda que se opunha aos regimes ditatoriais, o Partido por la Victória del Pueblo (PVP). Foram levados também os filhos de Lilian, Camilo, 7 anos, e Francisca, 3. A captura fazia parte da Operação Condor, pela qual aparelhos de repressão de diversas ditaduras latino-americanas colaboravam na repressão e morte de opositores.
A ação contou com colaboração de policiais civis gaúchos. Os sequestrados foram levados ilegalmente, através da fronteira com o Rio Grande do Sul, até uma prisão uruguaia. Só sobreviveram porque a operação irregular de militares de um país em outro foi testemunhada e denunciada por dois jornalistas porto-alegrenses. As crianças foram entregues a avós maternos, 18 dias depois.
Lilian e Universindo — que não eram um casal, eram apenas companheiros de partido — permaneceram cinco anos encarcerados num presídio em Montevidéu. Foram libertados em novembro de 1983, graças à pressão de organizações internacionais, como o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH-RS). O presidente desta entidade, Jair Krischke, lembra que esteve diversas vezes no Uruguai, em visita aos dois sequestrados e apoio aos filhos de Lilian, que testemunharam o sequestro.
— Fomos nós que ingressamos com ação judicial contra os sequestradores. Eram tempos difíceis. Lilian e Universindo saíram da cadeia e uma das primeiras providências foi denunciar os seus sequestradores, em audiência judicial. Um gesto de extrema coragem — relata Krischke.
A ação judicial que resultou, agora, na prisão dos dois coronéis do Exército foi aberta em 1984. Não prescreveu porque, no Uruguai, “crimes contra a humanidade” são considerados imprescritíveis, salienta Krischke. Universindo Diaz morreu em 2012, sem ver seus sequestradores presos. Os militares foram denunciados em 2018 por quatro delitos: privação de liberdade, por motivos extra-legais, e por abusos físicos contra a dupla de sequestrados.
Outros dois militares uruguaios também são réus no mesmo caso: o coronel Eduardo Ferro e o capitão José Bassani. Ferro já está preso, por envolvimento em outro sequestro de militantes de oposição à ditadura. Foi capturado na Espanha, em 2021. Bassani responde ao processo em liberdade.
A revelação dos nomes dos envolvidos foi feita pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos a partir do depoimento de um “arrependido”: o soldado Hugo García Rivas. Ele está asilado politicamente na Noruega.
A sentença sobre o caso ainda não tem data para ser proferida.