A luta pela democracia e pelos direitos conquistados não cessa. Com esse mote, na última terça-feira, 29 de outubro, o Tucarena, em São Paulo, foi palco da cerimônia de entrega do 46º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Por Valerio Paiva, compartilhado de Observatório da Imprensa
A principal premiação de reconhecimento ao jornalismo brasileiro. Desde sua primeira edição, em 1979, o Prêmio Vladimir Herzog representa muito mais do que uma honraria, ao reconhecer e agraciar profissionais que dedicaram tempo, esforço e talento na tarefa de levar ao debate público temas ligados à permanente luta pela promoção da anistia e dos direitos humanos.
Atualmente, o Prêmio Vladimir Herzog é promovido por uma ampla rede de apoio, formada por 17 instituições da sociedade civil, além da família Herzog. Entre as organizações envolvidas estão a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Conectas Direitos Humanos, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Geledés, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto Vladimir Herzog, Instituto Socioambiental, Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, Coletivo Periferia em Movimento, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e União Brasileira de Escritores.
Nesta edição, o Prêmio prestou homenagem e reconheceu o trabalho de jornalistas, repórteres fotográficos e artistas gráficos que, por meio de seu trabalho cotidiano, defendem a democracia, a justiça e os direitos humanos. Com 601 inscrições distribuídas nas categorias de texto, vídeo, áudio, multimídia, fotografia, arte e livro-reportagem, um júri de 49 profissionais selecionou os finalistas e premiados nas sete categorias. A qualidade dos trabalhos premiados foi impressionante, destacando-se pela relevância e profundidade das abordagens sobre temas de direitos humanos e justiça social. Os trabalhos premiados, os que receberam menção honrosa e os demais inscritos merecem ser lidos, ouvidos e assistidos.
Precedendo a entrega da premiação, foi realizada a 13ª Roda de Conversa com os Vencedores, transmitida ao vivo pelo canal da TV PUC-SP no YouTube, onde os jornalistas premiados compartilharam os bastidores e os desafios de suas reportagens. Já a solenidade de premiação, realizada à noite e também transmitida pelo canal da TV PUC-SP, contou com momentos de reconhecimento e homenagens.
Ao longo da cerimônia de premiação foram lembrados os profissionais vítimas de violência, conforme registrado no relatório anual da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sobre violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil. Também foi recordada a memória dos profissionais de imprensa assassinados durante seu exercício profissional em Gaza, sob ataques das forças armadas de Israel.
A comissão organizadora do Prêmio Vladimir Herzog ressaltou a responsabilidade de manter viva a missão da premiação, que destaca o trabalho dos profissionais de jornalismo que atuam em pautas relacionadas aos direitos humanos, muitas vezes em defesa da justiça e contra o arbítrio, o obscurantismo e a repressão. A cerimônia reafirmou a urgência de fortalecer o trabalho desses profissionais que, em tempos de guerras, catástrofes climáticas causadas pela ação humana e o ressurgimento de práticas autoritárias ao redor do mundo, continuam comprometidos em construir uma nova realidade e vocalizar os clamores abafados da sociedade.
Homenagens especiais
Neste ano em que o golpe militar de 1964 completa seis décadas, a comissão organizadora do prêmio homenageou três figuras de grande relevância para os direitos humanos no Brasil e como forma de defender o direito à memória, verdade e justiça. A socióloga Margarida Genevois, primeira mulher a integrar a Comissão de Justiça e Paz e conhecida por sua incansável atuação em defesa dos direitos humanos, foi homenageada aos 102 anos, em sua residência, e acompanhou a cerimônia de forma remota.
Outro homenageado foi o cartunista, chargista, escritor e redator Ziraldo, falecido em abril deste ano. Representado por sua filha, a cineasta Daniela Thomas, Ziraldo foi lembrado por sua irreverência e resistência ao Regime Militar, utilizando o humor como instrumento de luta.
Por fim, Luiz Eduardo Merlino, jornalista e militante torturado até a morte em 1971 no DOI-Codi, foi representado por Nicolau de Almeida (filho de Angela Almeida, viúva de Merlino) e Tatiane Merlino (sobrinha de Merlino e vencedora do Prêmio Vladimir Herzog em 2009).
Prêmio Especial Vladimir Herzog
O Prêmio Especial Vladimir Herzog, que destaca contribuições para um jornalismo plural e acessível, foi entregue à colunista Flávia Oliveira (O Globo, CBN e GloboNews), à jornalista e pesquisadora Gizele Martins, comunicadora popular da Maré no Rio de Janeiro, e à Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, um coletivo de mídia popular formado por cerca de 30 comunicadores de diversas etnias no Amazonas, incluindo os Baré, Baniwa, Desana, Tariana, Tuyuka, Piratapuia, Tukano, Wanano, Hup’dah, Yanomami e Yeba Masã.
A importância do trabalho coletivo no jornalismo
O jornalismo é, por essência, uma atividade coletiva. Por trás de cada reportagem existe uma rede de profissionais, como repórteres, produtores, cinegrafistas, editores, revisores, fotógrafos, desenhistas, arquivistas, motoristas e locutores, que colaboram ativamente para dar vida às histórias. Esses profissionais, assim como os personagens, fontes e o público leitor, são essenciais no trabalho de informar a sociedade, especialmente quando se trata de pautas sensíveis sobre direitos humanos.
Mesmo diante de carga de trabalho excessiva, escassez de pessoal e da subestimação por parte de gestores que nem sempre compreendem o valor do trabalho em equipe nas redações, esses profissionais mantêm o compromisso com a verdade e a justiça. Apesar das adversidades, os profissionais da imprensa que atuam com direitos humanos continuam a investigar, denunciar e dar voz àqueles que são silenciados, reforçando diariamente a importância da liberdade de expressão e da informação pública.
Premiados
Arte
A Cultura do Estupro – Cau Gomez. A Tarde
Menção Honrosa:
Genocídio em Gaza – Quinho. Estado de Minas
Fotografia
Passe Livre faz manifestação em São Paulo contra aumento da tarifa
Paulo Pinto. Agência Brasil
Menção Honrosa:
Cachoeira de Sangue – Eduardo Anizelli. Folha de S. Paulo
Produção Jornalística em Áudio
Tailane Muniz, Branca Vianna, Paula Scarpin, Flora Thomson-Deveaux, Guilherme Alpendre, Marcela Casaca, Juliana Jaeger, Vitor Hugo Brandalise, Évelin Argenta, Bia Guimarães, Sarah Azoubel, Bárbara Rubira, Natália Silva, Julia Matos, Luiza Silvestrini, Bia Ribeiro, Gilberto Porcidonio, Mateus Coutinho, Pipoca Sound. Rádio Novelo
Menção Honrosa:
Brigada Militar: assédio e suicídio entre policiais militares no RS
Leno Falk. Agência Radioweb
Produção Jornalística em Multimídia
Bram Ebus, Alex Rufino, Andrés Cardona, Jaap van ‘t Kruis, Barbara Fraser, Juan Torres, Beatriz Jucá, Jeanneth Valdivieso, Laura Kurtzberg, Luiz Fernando Toledo, Mathias Felipe, Diane Sampaio, Emily Costa, Ivan Brehaut, Pamela Huerta, Sam Cowie, Leandro Barbosa, Silvana Vincenti, Tatiana Escárraga, Mariana Rios, María Ramirez, Wagner Almeida, Jorge Benezra. InfoAmazonia
Menção Honrosa:
Isadora Teixeira, Lilian Tahan, Priscilla Borges, Otto Valle, Olívia Meireles, Juliana El Afioni, Gui Prímola, Yanka Romão, Daniel Ferreira, Michael Melo, Igo Estrela, Gabriel Foster, André Esteves. Metrópoles
Produção Jornalística em Texto
Triste Bahia – Como age a polícia que mais mata – Marcelo Canellas. Revista Piauí
Menção Honrosa:
Maria Júlia tem medo de ser queimada viva pelos “homens maus”
Catarina Barbosa. Sumaúma
Produção Jornalística em Vídeo
Ana Passos, Gabriel Penchel, Adaroan Barros, Caio Araujo, Carlos Junior, Alex Sakata, Caroline Ramos, Eric Gusmão. TV Brasil/EBC
Menção Honrosa:
Os caminhos da Democracia 1932 – 1977 – A história do movimento estudantil no Brasil
Simão Scholz, Gabriel Priolli, Jorge Valente, Ricardo Ferreira, Leão Serva, Leandro Silva, Luiz Turati, Jerônimo Moraes, Vanessa Lorenzini, Marco Galo, Euclides Conceição, Alexandre Tato, Jorio Jose Da Silva, Valdecy Messias De Souza, Celso Macedo, Nestor Dias, Marilia Assef, José Vidal Pola Galé, Marici Capitelli, Eugênio Araújo, Silviano Floriano Filho, Plínio Delfino. TV Cultura SP
Livro-Reportagem
A Torre: O cotidiano de mulheres encarceradas pela ditadura
Luiza Villaméa. Companhia das Letras
Menção Honrosa:
Milicianos – Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele
Rafael Soares. Objetiva
***
Valério Paiva é jornalista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Formado em Jornalismo pela PUC-SP, atualmente é aluno do curso de especialização Lato Sensu oferecido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor).