Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Nova onda da doença, no segundo semestre de 2020, traz ainda mais mortes do que as muitas que já haviam sido registradas no início do ano
A pandemia bateu todos os recordes globais neste início de novembro e registra a impressionante marca de 50 milhões de infecções do SARS-CoV-2 e 1,25 milhão de vidas perdidas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). As variações diárias, em média, somam mais de meio milhão de casos e cerca de 8 mil óbitos. Isto significa que a covid-19 atingiu novos picos nas curvas de casos e óbitos e a onda que se propaga no segundo semestre de 2020 tem trazido mais mortes do que as muitas já ocorridas na onda do primeiro semestre. A 45ª semana epidemiológica (01 a 07/11) apresentou as cifras médias mais altas da pandemia.
O quadro é preocupante, pois a Europa e a América do Norte voltaram ao epicentro da propagação do vírus e da contabilidade de vidas perdidas. Países que pareciam ter se livrado da doença apresentam números assustadores atualmente. Por exemplo, Portugal que foi pouco atingido pela 1ª onda da covid-19, apresenta uma 2ª onda com montantes bem maiores de casos e de mortes. A Bélgica, que foi profundamente atingida na 1ª onda, teve um período de tranquilidade e agora voltou a bater novos recordes, inclusive se transformando no país com o maior coeficiente de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes). A República Tcheca, inesperadamente, se transformou no país com maior coeficiente diário de mortalidade. O continente europeu vive novamente o drama de adotar fortes medidas restritivas de isolamento social numa região já afetada pela recessão econômica, pelo desemprego e pelo cansaço no enfrentamento de uma doença que não dá paz à população.
Nos EUA, o número de pessoas infectadas ultrapassou repetidamente a marca de 100 mil casos e a pandemia bateu recordes sucessivos em plena semana da eleição de 03 de novembro. A covid-19 foi apontada como umas das causas da derrota de Donald Trump, presidente que negou a gravidade da doença e acabou sendo negado pelo eleitorado. Pode-se dizer com alto grau de certeza que o vírus derrotou o presidente Trump. Na Nova Zelândia, a pandemia teve pouco impacto e a primeira-ministra Jacinda Ardern derrotou o coronavírus e venceu, com larga margem, as eleições gerais de outubro passado. Nos EUA, o presidente Donald Trump tentou negar os fatos e a ciência, perdeu a guerra contra o SARS-CoV-2 e foi derrotado nas eleições.
A 2ª e a 3ª onda da covid-19 na Europa e na América do Norte mostram que é uma péssima ideia apostar na imunidade de rebanho. A Bélgica, que já tinha 10 mil casos por milhão de habitantes na 1ª onda, ultrapassou 40 mil casos na 2ª onda e o número de mortes está crescendo rapidamente, podendo se agravar no inverno do hemisfério norte. O frio, normalmente, favorece a transmissão dos vírus respiratórios. Mas não quer dizer que não possa haver uma forte onda no verão, pois o SARS-CoV-2 se propaga por contato na superfície e não apenas pelas vias nasais. Além do mais, o uso de ar-condicionado no verão pode ser um fator de agravamento do risco de contágio. O Brasil deve ficar precavido, pois a disponibilidade de uma vacina efetiva para a imunizar a maioria da população ainda vai demorar.
O panorama global
O mundo já ultrapassou o montante de 50 milhões de pessoas infectadas e 1.250.000 mortes no dia 07 de novembro, segundo o site Worldometers. Mas, para a OMS estes números devem ser alcançados no dia 08 ou 09 de novembro. Há uma certa defasagem na contabilização dos dados, porém, a tendência de recrudescimento global da pandemia é inequívoca.
O gráfico abaixo da OMS mostra que o número de casos globais da covid-19 vem crescendo ao longo do ano e bateu todos os recordes na última semana. A OMS divide o mundo em 6 regiões. As Américas incluem a do Norte, Central e do Sul (são 35 países com cerca de 1 bilhão de habitantes) e já apresentaram 21,3 milhões de casos acumulados no dia 07/11 (representando 43,5% do total mundial). A Europa, que inclui a parte Ocidental e Oriental (são 53 países com cerca de 900 milhões de habitantes), soma 12,8 milhões de casos (representado 26% do total mundial).
A região do Sudeste da Ásia inclui Índia, Indonésia, etc. (são 11 países com cerca de 2 bilhões bilhão de habitantes) e apresenta 9,6 milhões de casos acumulados (19,5% do total global). A região do Mediterrâneo Oriental, que inclui os países do Norte da África, do Oriente Médio e da Ásia Central (são 21 países com cerca de 700 milhões de habitantes), apresenta 3,3 milhões de casos (6,7% do total global). A África, que inclui principalmente os países da África Subsaariana (são 46 países e cerca de 1 bilhão de habitantes), apresenta 1,4 milhões de casos (2,8% do total global). A região do Pacífico Ocidental, que inclui os países do Leste Asiático (China, Coreias, Japão, etc.) e os países da Oceania (são 37 países com cerca de 2 bilhões de habitantes), apresenta 760 mil casos (representando 1,5% do total mundial).
Nota-se que as Américas estão mantendo uma alta proporção de casos durante todo o ano. A Europa teve uma alta proporção do número de casos nos meses de março e abril, diminuiu nos meses seguintes e voltou a aumentar enormemente no mês de outubro e no início de novembro. O sudeste da Ásia aumentou significativamente a proporção nos meses de agosto e setembro, mas reduziu o volume nas últimas seis semanas. As regiões do Mediterrâneo Oriental, da África e no Pacífico Ocidental – com cerca de 50% da população do Planeta – têm cerca de 11% dos casos globais.
O outro gráfico abaixo, também da OMS, mostra que o número de óbitos globais da covid-19 que teve um pico em abril de 2020, reduziu a média nos meses seguintes e voltou a ter um novo pico na primeira semana de novembro, com recordes que significam um segundo pico da pandemia, ainda maior do que o primeiro. A soma de vítimas fatais nas Américas foi de 653 mil óbitos até 07/11 (representando 53% das mortes globais). A Europa acumulou 308 mil vidas perdidas (25% do total). A região do Sudeste da Ásia teve até aqui 149 mil falecimentos (12% do total). A região do Mediterrâneo Oriental somou 83 mil mortes (6,7% do total). A África acumulou 31 mil óbitos (2,5% do total) e a região do Pacífico Ocidental teve 16 mil mortes (representando 1,3% do total mundial).
Nota-se que as Américas acumulam a maior proporção de mortes durante todo o ano, a Europa teve uma alta proporção do número de óbitos nos meses de março e abril e voltou a subir enormemente no mês de novembro. O sudeste da Ásia aumentou muito a proporção das mortes nos meses de agosto e setembro, mas tem diminuído a proporção nas últimas semanas. As regiões do Mediterrâneo Oriental, da África e no Pacífico Ocidental tem menos de 10% das mortes globais.
O Brasil e outros países em destaque no mundo
O Ministério da Saúde não tem conseguido atualizar os dados da pandemia nos últimos dias. A última atualização foi no dia 04 de novembro. Vários estados também estão com problemas para divulgar os dados. Assim, segundo o consórcio de imprensa, com dados não oficiais, o Brasil chegou a 5,65 milhões de casos e 162,3 mil óbitos, com uma taxa de letalidade de 2,9%. Mesmo com todos estes problemas, felizmente, o número de casos e de mortes está diminuindo no Brasil, ao contrário do que acontece na Europa e na América do Norte que enfrentam uma 2ª e até 3ª onda.
O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, mostra a média móvel de sete dias do número diário de casos da covid-19, ponderado pelo tamanho da população, para o Brasil e alguns países selecionados. Nota-se que a curva epidemiológica dos casos do Brasil chegou a apresentar os maiores números entre maio e julho de 2020, mas atualmente apresenta números menores. A Bélgica foi o país que apresentou o maior volume de casos na 1ª onda, reduziu bastante os números e voltou a apresentar volumes elevados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Os EUA, mesmo não sendo o país com os maiores volumes de casos atualmente, já estão na 3ª onda e, em termos de cifras acumuladas, já ultrapassaram 10 milhões de casos. O destaque atual é a República Tcheca que tem passado por uma 2ª onda muito acentuada. A Argentina tem apresentado uma onda única, mas que cresce de forma constante. A Índia tem números absolutos altos (está atrás apenas dos EUA em números acumulados de casos), mas, quando ponderado pela demografia, o coeficiente de incidência (casos por milhão de habitantes) é mais baixo e apresenta tendência de queda atualmente.
O gráfico abaixo, também do jornal Financial Times, mostra o coeficiente de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) para o Brasil e os mesmos países selecionados. A Bélgica é o país com a maior proporção de mortes da comunidade internacional. A República Tcheca é o país da atualidade com o maior coeficiente de mortalidade diário. A Argentina, que tinha baixo coeficiente, cresceu continuamente e está em vias de ultrapassar o Brasil. Os EUA estão na 3ª onda. A Índia tem o menor coeficiente entre os 6 países em questão e apresenta tendência de queda do número diário de óbitos.
A tabela abaixo apresenta os dados dos seis países, por ordem decrescente do tamanho demográfico. A Índia tem o segundo montante de casos e o terceiro montante de mortes, mas apresenta os menores coeficientes de incidência (6.143 casos por milhão) e mortalidade (91 mortes por milhão), abaixo da média mundial de casos (6.446 casos por milhão) e de mortes (161 óbitos por milhão). A Bélgica, no extremo oposto, ultrapassou o Peru e apresenta os maiores coeficientes de incidência (42.047 casos por milhão) e de mortalidade (1.095 óbitos por milhão). Mas nota-se que a Bélgica (junto com os EUA) é o país que tem a maior proporção de testes, possivelmente, indicando menor subnotificação. A República Tcheca – que chegou a comemorar o fim da pandemia – agora apresenta os maiores coeficientes diários, embora tenha coeficiente acumulado de mortalidade menor do que o do Brasil, país que só tem coeficiente de mortalidade (766 óbitos por milhão) menor do que o da Bélgica. A Argentina já tem coeficiente de incidência (27,3 mil casos por milhão) maior do que o do Brasil (26,7 mil casos por milhão). A taxa de letalidade varia de 1,1% na República Tcheca a 2,9% no Brasil.
A pandemia tem apresentado números crescentes em termos globais, mas nem todos os países são perdedores. Algumas nações como Taiwan, Camboja, Butão e alguns outros conseguiram vencer o SARS-CoV-2. O que os países que conseguiram eliminar a curva da covid-19 tem em comum é a união entre a sociedade política (governo) e a sociedade civil. Juntos, o esforço vitorioso tem se concentrado em três princípios de ação:
- Testes em massa para identificar todas as pessoas com sintoma da covid-19;
- Rastreamento e monitoramento de todas as pessoas infectadas ou com suspeita de infecção;
- Uma combinação de isolamento social vertical e horizontal, protocolos de higiene e quarentenas efetivas, inclusive, mas não necessariamente, com a adoção de “lockdown” (fechamento total).
Já os países que perderam o controle sobre a transmissão comunitária do vírus encontram dificuldade para conter o surto pandêmico. A pandemia tem apresentado sazonalidade e a propagação tem ocorrido em ondas. O Brasil está em fase de refluxo, mas um novo fluxo não está descartado.
Por exemplo, o Amapá (AP), um estado pequeno da região Norte, com uma população de menos de 1 milhão de habitantes, apresenta uma morbimortalidade superior à média brasileira e superior à média de países altamente impactados pela pandemia. No Amapá, o coeficiente de incidência está em 63 mil casos por milhão de habitantes e o coeficiente de mortalidade está em 900 óbitos por milhão de habitantes. A população do AP, com diversos problemas econômicos e sociais, já vinha sofrendo com o retorno da propagação do SARS-CoV-2 e, subidamente, foi vítima de um amplo apagão elétrico, desorganizando o dia-a-dia das pessoas e desmantelando o abastecimento de energia elétrica, de água, derrubando o sinal da Internet e dificultando o atendimento dos pacientes internados para tratamento da covid-19. Da mesma forma que o Líbano, que teve uma erupção de casos e mortes da pandemia depois da explosão do porto de Beirute, Macapá (e o restante do Amapá), poderá enfrentar um quadro de descontrole da pandemia em decorrência da desestruturação da vida social pós apagão.
O apagão do Amapá e o impacto sobre a pandemia – entrevista com Adrimauro Gemaque
Para entender o que está acontecendo no Amapá nesta semana, entrevistei o amapaense Adrimauro Gemaque, ex-colega do IBGE, que mora em Macapá e é Administrador, Consultor em Gestão Pública e Articulista.
– Dizem que a chuva que caiu em Macapá foi excepcional e fruto das mudanças climáticas. Como você descreve o que aconteceu na terça-feira (03/11/2020)?
Adrimauro Gemaque: Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a causa do incêndio ainda não é conhecida e se abriu uma investigação com prazo de 30 dias para apurar as causas e responsabilidades. O que ocorreu na noite de terça-feira, aqui em Macapá, foi surreal. Nunca havia visto algo tão assustador com tantos relâmpagos, trovões e chuvas torrenciais. Choveu em um dia o que estava previsto para o mês. Podemos mesmos estar vivendo novas mudanças climáticas aqui no norte do país.
– A queda da energia foi um acidente ou um acúmulo de omissões e falta de investimento em infraestrutura?
Adrimauro Gemaque: A distribuição e comercialização da energia no estado é feita pela Companhia de Eletricidade do Amapá – CEA, que é uma empresa do governo do Amapá, que há vários anos já vem enfrentando dívidas elevadíssimas e ameaças de privatização. Em 2012, o governo do Amapá fez um empréstimo de R$ 1.400.000.000,00 para sanear as dívidas da CEA. Este empréstimo, que o governo somente terminará de pagar em dezembro de 2034, não deu a eficiência necessária para a empresa, mas elevou em muito a Dívida Pública do Amapá.
– Como a população está lidando com a falta de energia, de água e de alimentos?
Adrimauro Gemaque: Evidentemente que a população tem sido duramente impactada pela falta de energia, os preços de vários produtos foram elevados, alguns em até 400%, como foi o caso do gelo. O certo é que a falta de energia gerou também outras consequências como o desabastecimento de todo tipo e a falta de comunicação via internet. O certo é que os serviços, de modo geral, foram extremamente atingidos, com prejuízos incalculáveis. O que sem dúvida alguma se refletirá em uma grande perda para a economia do Amapá. Veja bem, excluindo a Administração Pública, a atividade dos serviços representa 87,2% do PIB do Amapá.
– Qual é o impacto desta situação sobre a pandemia da covid-19?
Adrimauro Gemaque: Muito preocupante, pois o último Boletim Informativo da Covid-19, divulgado no 03 de novembro, pelo governo do Amapá, aponta que são 52.832 casos confirmados e 1.593 em análise laboratorial. Os testes também descartaram 38.437 casos suspeitos. O prefeito de Macapá, Clécio Luiz, em entrevista neste sábado (07/11) disse que “teme um eventual aumento nos casos de covid-19 após o apagão que atingiu a região – já que, com a falta de energia elétrica, veio também a falta de água”. Vale ressaltar que 60% da população do Amapá está na Capital.
– As eleições municipais do próximo domingo estão mantidas?
Adrimauro Gemaque: O Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) afirmou, nesta sexta (06/11), que as eleições municipais estão mantidas no estado, mesmo diante da situação de emergência por conta do blecaute que atingiu 14 das suas 16 cidades do AP. Porém, pelo menos dois candidatos que concorrem ao pleito já se manifestaram pelo adiamento das eleições que foram o João Capiberibe (PSB/REDE) e o Dr. Furlan (Cidadania/MDB). Em paralelo ao processo eleitoral, a comunidade se mobiliza, com a hashtag #SOSAmapá, para ter acesso aos serviços básicos, evitando o descontrole de um novo surto da covid-19 no estado.