Pesquisa revela mobilidade social de ao menos 11 milhões de crianças e adolescentes atendidos pelo benefício em 2005; 45% acessaram o mercado formal de trabalho no mínimo uma vez
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Passadas duas décadas da sua criação, o Bolsa Família mostrou que seus efeitos sobre a população mais pobre são consistentes e de longo prazo, beneficiando também o país. No universo de mais de 11 milhões de crianças e jovens beneficiárias, que tinham entre sete e 16 anos em 2005, 64% não constavam mais em programas sociais do governo federal já na vida adulta e 45% acessaram o mercado formal de trabalho ao menos uma vez.
Os dados foram revelados por um estudo feito por pesquisadores do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e parceiros. Fazem parte da equipe integrantes da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da PUC do Rio de Janeiro.
O acompanhamento da situação desse público foi feito entre os anos de 2005 a 2019 e o resultado foi publicado na edição de setembro da World Development Perspectives — uma revista multidisciplinar dedicada ao estudo e promoção do desenvolvimento internacional.
Segundo os pesquisadores, “a principal descoberta, que nos surpreendeu pela expressiva magnitude, foi observar que mais da metade desse grupo de jovens e crianças não dependia mais de programas sociais quando na vida adulta e que isso estava relacionado a uma inserção no mercado formal de trabalho. Esse fato revela uma nova realidade para essa geração de brasileiros, nascida na pobreza e na extrema pobreza, mas que conseguiram superá-las na vida adulta”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que viabilizou o programa já no primeiro ano de seu primeiro mandato, comemorou, pelas redes sociais, o reflexo do BF: “Pesquisas sérias mostrando o excelente resultado do Bolsa Família ao longo do tempo. É sobre reduzir a fome e a pobreza e dar oportunidades para as futuras gerações”.
De acordo com o artigo, “esses resultados são sugestivos de mobilidade social na base da distribuição de renda brasileira para os beneficiários do PBF durante o período analisado”.
Conforme explicou a equipe, o grupo estudado corresponde à primeira geração de crianças e jovens beneficiados por programas sociais em larga escala no Brasil e para a qual foi possível observar indicadores na vida adulta, como acesso ao mercado de trabalho.
Os pesquisadores argumentam haver uma literatura tradicional — nacional e internacional — que sugere que programas sociais, aos moldes do Bolsa Família, “podem gerar mudanças sociais no longo prazo, conforme observamos”. Essa literatura, completam, “aponta para melhorias em saúde, educação e renda dos beneficiários ao longo de suas vidas”.
Acesso ao trabalho
No que diz respeito ao acesso desse público ao emprego, o artigo salienta que “o fato de 45% deles terem acessado o mercado de trabalho pelo menos uma vez é um grande resultado de política, dado que, em média, apenas 31% da população brasileira na mesma faixa etária estava empregada em ocupações formais durante o mesmo período”.
Nesse sentido, destaca que “há uma correlação positiva entre os dois indicadores, o que reforça a ideia de que indivíduos emancipados de programas sociais federais, de fato, têm alta probabilidade de também terem acessado um emprego formal”.
Os pesquisadores concluem que embora os ex-beneficiários do programa estivessem empregados em ocupações de pior qualidade e remuneração, “sua maior participação no mercado de trabalho formal já indica melhores condições socioeconômicas do que aquelas de sua infância e juventude”.
Além disso, observam haver evidências de que os beneficiários do programa “de fato, se envolvem no mercado de trabalho” e que “menos pessoas dependem de transferências de dinheiro ao longo das gerações”. Eles acrescentam ainda que “a maior participação no mercado de trabalho formal deve levar a maiores contribuições fiscais , equilibrando o orçamento do governo”.
O estudo, portanto, é mais um elemento que desmonta críticas recorrentes ao programa, sobretudo de setores alinhados à elite conservadora, de que o Bolsa Família é mero “assistencialismo” que gera dependência do benefício e despesas que não retornariam ao país.
Diferenças de gênero e raça
Por se basear na realidade concreta de milhões de brasileiros atendidos pelo Bolsa Família, os resultados da pesquisa refletem as desigualdades históricas e estruturais do país, entre as quais as de gênero, de raça e regional.
Segundo o estudo, 69% dos homens deixaram o registro de beneficiário, contra 55% de mulheres. Para indivíduos brancos, a taxa de saída foi de 65%, enquanto para os negros foi de 54%; 51% para amarelos; e 46% para indígenas. Ou seja, os “indivíduos do sexo masculino, mais velhos e brancos experimentam os maiores níveis de mobilidade social”, afirmam os pesquisadores.
No caso do recorte regional, o estudo aponta que “a taxa de saída foi superior a 70% nas regiões Centro-Sul do país; nove e 12 pontos percentuais maiores do que as regiões Norte e Nordeste, respectivamente. Esta última apresentou uma proporção de indivíduos ainda beneficiários do PBF em 2019 que foi mais que o dobro da taxa de retenção nas regiões Centro-Sul”.
Para a equipe, as diferenças regionais apontam para a necessidade de mais ações políticas interseccionais para superar a pobreza. “Observamos que a capacidade das CCTs (Transferências Condicionadas de Renda, na sigla em inglês) de promover mobilidade social está significativamente associada a características locais. Mais especificamente, infraestrutura de educação e saúde, juntamente com crescimento econômico”, pontuam.