por Raquel Wandelli, compartilhado de Jornalistas Livres –
Soltura de bolsonarista preso em flagrante pelo espancamento até a morte de idoso filiado ao PT aumenta indignação pública
Bolsonarista que agrediu idoso até a morte por ódio político foi preso em flagrante e solto na sexta-feira para responder em liberdade
Cresce em todo o país a indignação contra o primeiro crime de ódio político com morte praticado por um bolsonarista em Santa Catarina, que na quarta-feira (27) espancou o idoso Antônio Carlos Rodrigues Furtado até a morte em Balneário Camboriú. A revolta aumentou sobretudo depois da soltura do assassino, Fábio Leandro Schlindwein, 44, que havia sido preso em flagrante, com várias testemunhas, e passou a responder processo por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Na sexta-feira (29), ele foi surpreendentemente solto pelo juiz responsável, por apresentar “bons antecedentes”, apesar dos requintes de crueldade do assassinato registrados no Boletim de Ocorrência e confirmados pelos próprios policiais demonstrarem o seu comportamento violento e perigoso. Na página do juiz, há uma postagem comparando a disputa entre Bolsonaro e “Luladrão” à luta entre Cristo e Barrabás.
Hoje, às 16 horas, partidos de oposição, entidades democráticas e população local que não concorda com a intolerância fascista realizam um protesto na Praça Tamandaré, na avenida Atlântica em Balneário Camboriú. O ato é promovido por lideranças de partidos de oposição local (PDT, PT, PSoL), com adesão de militantes de toda a região do Vale do Itajái e Grande Florianópolis. Caravanas com ônibus fretados e caronas solidárias estão sendo organizadas durante todo o final de semana, com apoio do PT, siglas à qual a vítima estava filiada desde setembro deste ano, depois de um período de filiação ao PDT. No dia seguinte à noite do crime, a Comissão Executiva Nacional do PT emitiu nota em que afirma que classifica a morte do filiado de “barbárie” e “fascismo”.
Postagem do acusado de homicídio do idoso nas vésperas das eleições para presidente do Brasil, anunciando que eliminaria as “amizades esquerdistas que apoiam o comunismo e o grau de gênero nas escolas”.
Na quarta-feira (27), na avenida Alvin Bauer, centro de Balneário Camboriú, o apoiador de Bolsonaro espancou a socos e pontapé o idoso Antônio Carlos Rodrigues Furtado, de 61 anos, até a morte após uma discussão política. Segundo B.O. realizado pela polícia, Fábio Leandro estava “muito alterado e proferindo palavras impróprias de cunho ofensivo”, quando começou a agredir o idoso. Antônio Carlos se afastou do local após as primeiras agressões, mas o acusado foi ao seu encalce, derrubou-o no chão e continuou a espancá-lo já caído e indefeso. O boletim relata que a vítima conseguiu se levantar e pedir para o agressor parar porque estava machucado, mas foi ignorado. Em seguida, teve uma parada cardíaca no local. A parada cardíaca foi constatada pela equipe do SAMU, que prestou atendimento à vítima ainda com vida e confirmou o óbito no local, sempre conforme o B.O.
Depois de espancar a socos e pontapés o idoso, inclusive com ele já caído, na frente de muitas pessoas, o assassino ligou para a polícia dizendo que estava sendo ameaçado. Quando a polícia chegou, testemunhas desmentiram o bolsonarista, que foi preso em flagrante. O acusado trabalhava num estacionamento próximo ao local do crime. Antônio Carlos era um militante de esquerda tradicional na cidade e ultimamente estava desempregado e enfrentando dificuldades financeiras.
Leia o que diz o relatório da polícia no Boletim de Ocorrência:
“Foi apurado por meio das testemunhas BSRR e JOR que trabalham na empresa Gringa Top 10 e que no momento dos fatos estavam na janela da loja. Relataram que visualizaram da janela uma discussão entre um masculino de camiseta rosa, chamado FABIO LEANDRO SCHLINDWEIN que trabalha em um estacionamento em frente e um masculino de mais idade. Relataram que o masculino de rosa estava muito alterado e que estava xingado muito o senhor. Relataram ainda que o senhor deu uma afastada, mas ainda sim continuou a discussão. Relataram que o senhor foi para calçada e que em seguida o autor começou agredir a vítima com socos e ponta pés. Momento que a vítima caiu ao chão, no entanto o autor continuou com as agressões com socos e chutes. Ademais, o autor jogou um bolsa com ferramentas na vítima ainda caída ao chão dizendo “viu, viu que ti falei pra sair daqui”. Relataram ainda que em seguida a vítima levantou e disse para o autor “parar de bater que estou machucado”, neste momento a vítima começou a recolher suas coisas, no entanto caiu novamente ao chão desta vez desacordado”.
PROTESTO: IMPUNIDADE DO ASSASSINO PODE ENCORAJAR NOVOS CRIMES
O “ato de repúdio contra o fascismo e em solidariedade ao companheiro assassinado por ser petista”, como o protesto está sendo convocado pela Tenda Lula Livre, ligada ao PT em Florianópolis, é cercado de grande tensão. Num cenário onde a população votou em peso no candidato que apregoou durante a campanha eleitoral o extermínio armado “da petralhada”, os ânimos se acirram contra a repercussão nacional desse crime bárbaro . “Ele coloca em evidência as ameaças contra a democracia e a vida insufladas pela intolerência fascista numa região que é berço da colonização europeia e se considera modelo de civilização”, acentua Zorahia Vargas, organizadora da caravana que sai hoje ao meio-dia, do antigo Terminal Cidade de Florianópolis, com recursos dos próprios militantes.
Outras lideranças se manifestam com muita preocupação sobre a falta de rigor do juiz: “Não podemos deixar passar impune este crime gravíssimo porque o ódio político encorajado pelo presidente tende a causar outras vítimas, a matar mais inocentes e a inviabilizar a sociedade civil”, acrescenta Margareth Sandrini. “Nós temos obrigação de reagir com muita firmeza e vigor porque essa violência insuflada pelo bolsonarismo pode instaurar uma onda de extermínio incontrolável no país que pode levar a uma situação de barbárie em que a mera existência de um opositor é justificativa para mata-lo”, argumenta o professor William Meister, ex-militante do PSoL, que foi demitido pela prefeitura bolsonarista de uma escola pública em Itapema, município vizinho, por ter apresentado um poema sobre a tortura na semana alusiva ao aniversário do golpe militar de 64.
CONTRADIÇÕES DA POLÍCIA E LIBERAÇÃO DO CRIMINOSO CAUSAM APREENSÃO
Fábio Lemos foi solto por bons antecedentes, segundo o juiz, embora tenha sido preso em flagrante por assassinato com requintes de crueldade, segundo a polícia
A guerra provocada pela repercussão do crime pode ser medida nas redes sociais. Os comentários se dividem entre os que manifestam sua indignação contra o assassinato e a liberação de Fábio Lemos Schlindwein, preso em flagrante como autor do crime, e os que se limitam a defender o presidente Bolsonaro do que chamam de “uso político” do crime, embora o próprio acusado tenha no seu depoimento à polícia alegado divergência política. Alguns bolsonaristas chegam a defender o acusado, dando outros motivos para o assassinato e outros até culpam a vítima e o PT pelo crime.
O relatório divulgado pela Polícia Militar sobre o caso afirma que Furtado e o agressor discutiram por motivo político. A vítima se afastou, mas foi atacada novamente, mesmo caída ao chão. No meio do espancamento, conseguiu levantar-se e pediu que o agressor parasse. Caiu novamente, desta vez, vítima de uma parada cardíaca fatal, sempre segundo o relatório da polícia.
Nas redes sociais, o acusado se apresenta como bolsonarista nas redes sociais, e em publicações recentes, avisou que eliminaria todos os petistas, comunistas e esquerdistas de suas redes sociais. O relato da PM diz que, segundo ele, o desentendimento começou porque Furtado, que era militante de esquerda e filiado ao PT, “veio conversar com ele sobre política. Ambos se alteraram e as agressões iniciaram”.
As contradições nos depoimentos dos advogados do acusado, Fábio Leandro, da polícia e a decisão do juiz estão gerando muita apreensão entre os militantes de esquerda e de entidades democráticas que temem pela condução política do caso. Schlindwein, foi liberado pela Justiça em audiência de custódia na sexta-feira (29). O juiz Roque Cerutti, da 1ª Vara Criminal, entendeu que, embora haja “fortes indícios” de que a conduta de Schlindwein tenha causado a morte da vítima, ele tem bons antecedentes e, por isso, não se justifica a prisão preventiva.
Postagem na página do juiz Roque Cerutti
No entanto, o delegado Aderlan Camargo, responsável pelo caso, afastou a hipótese. Afirmou, na quinta-feira (28), ao jornal local Página 7, que testemunhas ouvidas na delegacia disseram que a discussão teria sido motivada “por uma dívida”, mas não entrou em detalhes. Segundo ele, o agressor teria apresentado versões conflitantes à PM. Diante da duplicidade de versões, o PDT, partido ao qual Furtado foi filiado até fevereiro deste ano, designou o advogado Alex Casado para que acompanhe as investigações e o processo.
Os Jornalistas Livres apuraram, na página do Facebook do juiz Roque Cerutti, uma publicação autorizada por ele, que compara a relação entre Cristo contra Barrabás, com a de Bolsonaro contra o “Luladrão”. A postagem, assinada por Antônio Pardi, um bolsonarista inflamado, avisa que o PT já existia no tempo de Cristo e que mesmo assim “teve quem escolhesse Barrabás”. Balneário Camboriú é uma região assediada por políticos bolsonaristas que apregoam o uso de armas e o ódio contra Lula e o PT, como o empresário Luciano Hang, proprietário das Lojas Havan e a deputada estadual Ana Caroline Campagnollo, que embora sendo de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, fez no município a sua base eleitoral.