Saudade de um futuro, que poderia ter sido e não foi

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista – 

Minhas três avós diziam, cada uma a seu modo, a frase que sintetizava a época delas e que, ainda hoje, resume a realidade dos fatos: “cachorro que muito late não morde”. O cachorrão (e me perdoem por isso todos os cães deste mundo) com seus filhotes malcriados ensaia repetidos gestos de poder, mas não passam de ganidos & latidos para enganar incautos.

Mary Evelina Kindon (1849-1919) pintora britânica.

Os mesmos inocentes úteis que lhe confiaram a segurança do futuro para si e os seus, com a santa ignorância que Deus lhes deu de pensar que o mundo é o que concebem. Uma vingança pérfida do Senhor que engoliram com anzol e tudo.




O Idiota Perfeito, disse outro dia, como só idiotas acabados podem fazer, que tinha “vontade de publicar uma MP” abrindo todas as portas de todos os comércios. Não fez e não fará isso, ainda que continue ameaçando, porque não tem poder para essa decisão.

O Idiota Perfeito é refém de seus colegas fardados que assumiram o poder de fato, na pele do general Braga Neto, formalmente o novo ministro da Casa Civil. E aqui o primeiro dos muitos paradoxos: um militar na casa civil?

O Idiota Perfeito caiu no choro outro dia ao perceber que o castelo de areia que julgava sólido ruiu com a primeira onda. Correu para o colo dos seus colegas fardados. A solidariedade, no entanto, e cada um de nós sabe disso, tem suas limitações. E uma delas poderia ser expressa com a cautela de nossas avós: “não se dá a mão a afogados”. A não ser que se queira ser tragado junto.

O Idiota Perfeito não conseguiu sequer ser um militar, o que não exige muito, desde que se esteja disposto a substituir a inteligência pelo formalismo estúpido da disciplina hierárquica. Acabou expulso do exército por destempero comportamental, ameaçando obter, pelo puro terrorismo, pretensões que julgava indispensáveis.

Foi expulso mas, mais recentemente, ungido ao poder pelos incautos que engoliram o anzol do Senhor, foi homenageado pelo mesmíssimo exército que o expulsou. Outro dos paradoxos.

Agora estamos sob a tempestade perfeita, com o capitão perfeito, como o diabo gosta e o Senhor concordou com a ironia divina.

Resumo da ópera, quem de fato segura o leme do barco, é um general, o Braga Neto, o militar colocado por militares no posto que leva o nome de Casa Civil.

Militares, que no Brasil são historicamente parte dos problemas, não das soluções, pularam na garupa do cavalo da sorte que passou com o Idiota Perfeito com as rédeas na mão. Não resistiram ao canto das sereias do poder. O poder pode tudo, é o que se concebe, com a vã filosofia.

Mas, embarcaram em canoa furada e tomaram essa atitude “em nome do Brasil” a invocação histórica para acobertar interesses de grupos por esses “tristes trópicos” batizados com este epiteto por Claude-Lévi Strauss.

Por trás dessas cenas todas repercute o eco de uma sociedade escravista, que por aqui inviabilizou desde o primeiro instante, a cidadania e seus atributos: a liberdade, a cidadania, o direito à opção com base na lógica e não no alheamento imposto por todas as formas de cerceamento da dignidade humana.

Mas, quanto vale a história, ou as outras formas de ciência por essas latitudes controversas? Uma sociedade escravista não precisa de ciência e essa ordem está, por esses trópicos de Lévi-Strauss, solidamente estabelecida.

Então, ficamos assim. Em meio do que pode ser a maior pandemia da modernidade, do prometido Século 21, temos a pobreza, a privação, a brutalidade, a ignorância e a fome que fizeram da Idade Média a idade das trevas.

Um militar ocupa a casa civil, como se fosse absolutamente natural, e neste momento é quem dá as cartas do jogo para proteger os fardados de uma aventura em que nunca deveriam ter participado. Associar-se a um fardado, expulso da sua força por indisciplina e incitamento à violência. Não se constrói sobre a areia nem se confia em santos com pés de barro, diriam nossas avós.

O que temos, então? Um discurso diversionista. Mais um de uma longa série que começou por aqui quando Cabral pôs os pés na areia fina do que é hoje uma praia da Bahia para anunciar o “descobrimento do Brasil”.

Quando, na realidade, veio apenas formalizar uma descoberta feita antes, dissimulada pela política do sigilo que confinava os fatos a sete chaves, numa promessa que durou pouco, para citarmos apenas Fernando Pessoa e o que lá se chama de “saudade do futuro”.

Um futuro que poderia ter sido e não foi.

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