Capivaras e a suposta fragmentação da esquerda nas eleições municipais

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Por Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em Direito, professor na UFPR, preside o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (DECLATRA) – 

Vejo nas redes sociais muita gente acometida de uma tocante ingenuidade bem intencionada, reclamando da fragmentação das esquerdas nas próximas eleições.

É verdade que as esquerdas são fratricidas. Mas nestas eleições a explicação é bem mais simples. Os partidos preferem candidaturas próprias em decorrência da legislação eleitoral que foi alterada e não permite coligações para as eleições de vereadores.




Avaliem-se as seguintes informações.

Entre todos, o PSOL foi o partido político que lançou mais candidatos às prefeituras das capitais: 23 no total. Mais adiante tento explicar a razão para isso.

O PT, muito maior, com diretórios em 95% dos municípios com mais de 5 mil eleitores, fez mais alianças com partidos de esquerda que o PSOL. Apresentou candidatos em 21 capitais, bem mais que o PCdoB, com candidaturas próprias em 13 capitais.

Para avaliar se isso é muito ou é pouco, comparemos esses dos com a estratégia dos da direita. Do lado de lá quem lançou mais candidatos a prefeito foram o PSDB (em 13 capitais, tanto quanto o PCdoB) e o protofascista PSL (com 16 candidatos). Os demais partidos da direita e centro-direita preferiram fazer alianças. Para eles estar na administração dos municípios é muito importante, e eles não tem pruridos em, digamos, fazer acertos, nem sempre muito republicanos.

Por força da legislação eleitoral, a decisão de lançar candidatura própria a prefeito não decorre de reais chances eleitorais. A razão é outra.

O PSOL é competitivo apenas em Belém, com um vice do PT, mas apresentou candidatos em 21 capitais. O PCdoB disputa em duas: São Luís e Porto Alegre, com vice do PT em ambas, mas terá candidatos em 13 capitais. O PT, com 21 de candidatos, é competitivo em 4 ou 5 capitais.

A explicação é simples. Mesmo sem chances de vitória nas prefeituras, os partidos precisam disputar. Todos tentam ampliar suas bancadas de vereadores. E para isso ter candidatura própria ajuda muito.

Até as capivaras do Parque Barigui sabem que são remotíssimas as chances de um dos partidos de esquerda disputarem o segundo turno nessas eleições em Curitiba. Isso só seria possível com uma aliança mais ampla, com o PDT, PT, e a esquerda do MDB, do Requião. Tentaram, mas o PDT não quis ou não teve tempo para assimilar a ideia, mesmo sendo cabeça de chapa. Diante dessa constatação cada partido tentará, com candidaturas próprias, aumentar sua representatividade nas Câmaras Municipais. E têm razão. Nas eleições de 2020 os partidos menores, para seguirem existindo, precisarão romper a « cláusula de barreira » que lhes exigirá atingir 2% dos votos em âmbito nacional. Ou seja, é muito importante que os partidos ganhem musculatura agora, elegendo vereadores.

Já volto a essa questão. Cumpre-me primeiro analisar o que se passa em outras capitais.

As mencionadas capivaras curitibanas, célebres por sua arguta capacidade em analisar a conjuntura, também sabem que às vésperas do primeiro turno, os eleitores de esquerda migrarão para o candidato que tiver maiores possibilidades de ir ao segundo turno, para evitar o « mal maior », ou seja, para diminuir o risco de verem dois direitistas no segundo turno.

Isso explica a decisão do PSOL em não se interessar por uma « frente de esquerda » em São Paulo. Lançaram chapa pura com Boulos e Erundina. Não precisam do PT ou do PCdoB. Contam com a certeza de que, na hora do vamos ver, os eleitores petistas e comunistas abandonarão os candidatos de seus partidos de preferência para votarem em Boulos. Ingênuos, alguns açodados exigem que o PT e o PCdoB retirem unilateralmente seus candidatos e que adiram a Boulos. Para quê? Qual seria a vantagem? Para diminuir suas bancadas de vereadores? Não faria sentido. Por outro lado, os hoje incensados pela mídia corporativa (fizeram isso anteriormente com Heloísa Helena, com Plínio, com Marina, para debilitar o PT, lembram-me minhas amigas capivaras) talvez sofram algum nível de desidratação nas próximas semanas. Não pode ser descartada a priori a hipótese de Tatto chegar às vésperas do primeiro turno com mais intenções de votos que o Boulos. Os intelectuais do Leblon e Laranjeiras, de Ondina e do Juvevê não são eleitores em São Paulo. Caso isso ocorra, a migração decorrente do « voto útil » será em sentido inverso, para a candidatura antifascista mais viável eleitoralmente.

Todos os partidos de esquerda têm o legítimo interesse em aumentar (ou manter) suas bancadas de vereadores. E para isso dependem do desempenho de seus candidatos a prefeito ou a prefeita.

No Rio o PSOL não aceitou compor uma « frente de esquerda » com Benedita da Silva do PT, a única com chances reais de ir para o segundo turno, segundo as pesquisas. Está errado? Não. Tenta manter sua bancada de vereadores. A candidatura da Renata tem esse objetivo. A lógica do eleitorado carioca é mais difícil de ser decifrada, mas é plausível supor-se que na última semana se opere o « voto útil » contra o fascismo, em favor da petista. Ou, para nosso desencanto, mesmo para o Eduardo Paes, um sujeitinho ordinário, para evitar um desastre tipo Witzel.

Em Curitiba o PDT, que contava com o prefeito nas últimas eleições, obteve apenas 5 vereadores. Será difícil manter essa bancada com Goura, um bom candidato, à esquerda. O MDB fez apenas 2 vereadores na eleição passada. Deve encolher. Pela primeira vez é possível que, com candidaturas próprias à prefeitura, PSOL e PCdoB elejam seus primeiros vereadores. O PT, que elegeu apenas uma vereadora na terra da república da LavaJato, em uma conjuntura adversa, talvez chegue agora a 4 vereadores. Entenderam as razões pelas quais não temos uma « frente de esquerda » na terra das capivaras do Parque Barigui?

O mesmo raciocínio vale para a maioria das capitais, para os quase 200 municípios com mais de cem mil eleitores e para muitos municípios menores. Não se trata de mera fragmentação fratricida da esquerda, mas de análise do cenário político condicionado pela legislação eleitoral que, desta vez, não permite coligação para as eleições proporcionais. Pode ser que, focando na eleição de vereadores, em algumas cidades e até em capitais, candidaturas majoritárias de esquerda venham a se tornar competitivas.

Diante do desastre ambiental, sanitário, cultural, civilizacional característico da maneira bolsonara de existir em sociedade, é essencial o fortalecimento numérico de vereadores e vereadoras (eu sempre voto em mulheres para o parlamento) de esquerda nessas eleições. Os partidos de esquerda sabem disso e agem com responsabilidade, pois o que está em jogo nessas eleições ultrapassa os limites territoriais dos municípios e suas mazelas.

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