Por Fernando do Valle compartilhado de Zona Curva –
10 músicas contra a ditadura militar
10º “Pesadelo” (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)- Inocentes
As primeiras bandas punks brasileiras como Inocentes e Cólera só surgiram entre o final dos anos 70 e o início da década de 80 e chegaram para gritar a revolta após duas décadas de regime totalitário.
No segundo disco dos Inocentes, Adeus Carne, a banda gravou sua versão de Pesadelo, escrita em 1972 por Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós que dava um recado direto ao regime da época: “você corta um verso/eu escrevo outro/você me prende vivo, eu escapo morto/de repente olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo troco”. Punk.
Paulo Cesar Pinheiro explica como conseguiu ludibriar a censura: “mandei essa música no meio de um bolo que a Odeon [gravadora musical] sempre mandava. Era um período em que havia muito material para mandar. Tinha um disco do Agnaldo Timóteo, com aquelas canções derramadas, e outras coisas românticas. Pedi a um funcionário da casa que enfiasse Pesadelo no meio desses discos. Assim, a música veio liberada. E o MPB-4 a gravou”.
9º “Nada será como antes” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos) – Milton Nascimento e Lô Borges
“Que notícias me dão dos amigos?/Que notícias me dão de você?” explicitavam os tempos de incerteza do ano em que a música foi composta: 1972. Lançada no álbum duplo Clube da Esquina que revelou uma nova safra de músicos mineiros como Milton, e Lô Borges, Nada Será como Antes homenageia aos que não esmoreciam: “resistindo na boca da noite um gosto de sol”.
8º “E vamos à luta” (Gonzaguinha) – Gonzaguinha
O cantor Gonzaguinha figurava entre os mais perseguidos pela censura do regime militar e escreveu em 1980 E Vamos à Luta como uma homenagem aos que resistiam há 16 anos os arbítrios da ditadura militar. A canção foi muito tocada no final dos anos de chumbo e no processo de redemocratização do país. A música faz parte do álbum De Volta ao Começo. Se estivesse vivo, o cantor completaria hoje 70 anos.
7º “Disparada” (Geraldo Vandré e Theo de Barros) – Jair Rodrigues
Um dos compositores de Disparada, Geraldo Vandré, quase barrou Jair Rodrigues como intérprete da música no Festival de Música Brasileira de 1966. Vandré confessou para Solano Ribeiro, organizador do festival, que “Jair ia cantar esse negócio rindo”. Vandré estava enganado, a interpretação de Jair Rodrigues imortalizou a música como um dos hinos de protesto contra a ditadura militar.
O cantor ainda dividiu o primeiro lugar do festival com Nara Leão, que interpretou “A Banda”, de Chico Buarque. A emblemática performance de Jair da canção que narra o despertar da consciência política de um vaqueiro que “aprendeu a dizer não” pode ser explicada pela lembrança de seu pai, Severiano Rodrigues de Oliveira, boiadeiro que segundo Jair, “morreu no lombo de um burro”.
6º “Jorge Maravilha” (Julinho da Adelaide) – Chico Buarque
Pra driblar a censurar, Jorge Maravilha e outras músicas foram escritas por Chico Buarque sob o pseudônimo Julinho da Adelaide. Mesmo já desmentido por Chico, a música carrega a lenda de que o compositor a escreveu para Amália, filha do ditador Ernesto Geisel, que gostava do cantor. O verso “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” na verdade tem relação com a filha de um contínuo do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão política. Em entrevista a Folha de S Paulo em 1977, Chico explicou: “fui detido por agentes de segurança no DOPS e no elevador o cara pediu autógrafo para a filha dele. Claro que não era o delegado, mas aquele contínuo de delegado”.
O público ouviu a música pela primeira vez quando Chico participou do espetáculo “O Banquete dos Mendigos”, projeto idealizado e dirigido pelo músico Jards Macalé, em 10 de dezembro de 1973 no Museu de Arte Moderna do Rio.
Leia texto aqui no blog sobre Julinho da Adelaide.
5º “Primavera nos Dentes” (João Ricardo e João Apolinário) – Secos e Molhados
Imagino os militares indignados com aquele “grupo transviado que desencaminhava a juventude”, mas não era só na maneira de dançar de seu líder, Ney Matogrosso, ou na roupa e maquiagem que os Secos e Molhados incomodavam o status quo. Primavera nos dentes (1973), composta por João Ricardo, integrante do grupo, e seu pai, João Apolinário é um rock psicodélico com uma letra com apenas o belo verso que grita: “quem tem consciência para ter coragem/quem tem a força de saber que existe/e no centro da própria engrenagem/inventa a contra mola que resiste/ quem não vacila mesmo derrotado/quem já perdido nunca desespera/e envolto em tempestade decepado/entre os dentes segura a primavera”.
4º “Opinião” (Zé Keti) – Nara leão, Zé Keti e João do Valle
“Podem me prender, podem me bater… que eu não mudo de opinião”. Premonitória do que a juventude enfrentaria após o golpe militar, a música foi composta pelo carioca Zé Keti em 1964 e nomeou o show de teatro musical que era uma parceria entre o Teatro de Arena e o CPC-UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes). Na verdade, Zé Keti compôs a canção como resistência ao governo do Estado do Rio de Janeiro que pretendia expulsar as favelas dos morros da capital. Usada como hino de resistência à ditadura, a música foi censurada em 1968.
3º “Carcará” (João do Vale e José Cândido) – Maria Bethânia ou Nara Leão
Composta pelo maranhense João do Vale e José Cândido, a música Carcará (1965) fez parte do espetáculo Opinião que marcou a resistência cultural ao golpe militar de 64, mesmo ano de estreia da peça, escrita por Paulo Pontes, Ferreira Gullar, Armando Costa e Oduvaldo Viana Filho, com direção de Augusto Boal. “Carcará” simbolizou a crítica à desigualdade social nordestina e a luta por terra no campo que remetia ao movimento das Ligas Camponesas, liderada por Francisco Julião, preso em 1964.
A canção foi interpretada primeiramente por Nara Leão, mais tarde ela foi substituída por Maria Bethânia, que passou a integrar o elenco do show com apenas 19 anos. Bethânia denunciou os altos índices migratórios da população nordestina que fugia da seca no final da música.
“Carcará”, interpretada por Maria Bethânia:
2º “Comportamento Geral” (Gonzaguinha) – Gonzaguinha
Em 1973, Gonzaguinha ironizava os conformados com o regime autoritário que mereciam “um diploma de bem comportado”. Na letra da música integrante de seu primeiro disco, Luiz Gonzaga Jr. (1973), o músico criticava os que os que faziam “tudo aquilo que foi ordenado pelo bem da Nação” e “baixavam a cabeça”.
A música ficou popular quando foi espinafrada pelos jurados em um dos concursos do programa Flávio Cavalcanti, simpatizante dos militares. Com muita calma, Gonzaguinha voltou ao microfone e disparou: “vocês merecem” (trecho da música). O episódio ajudou a impulsionar as vendas do disco compacto com a música.
Visado pelos censores e pela ditadura, em uma ocasião o músico submeteu 72 músicas de sua autoria à censura, 54 foram vetadas. Em 1990, o músico participou do programa Ensaio da TV Cultura em que canta a música e lembra sua relação com a censura:
A versão completa de “Comportamento Geral”:
1º “Como nossos pais” (Belchior) – Elis Regina
Composta por Belchior, a música relata o “perigo na esquina” e o “sinal que está fechado para nós que somos jovens”, recados claros sobre a situação opressora vivida em 1976, ano de sua gravação no disco Falso Brilhante, por Elis Regina.
Belchior também gravou a música no mesmo ano em seu disco Alucinação, segundo LP do cantor cearense. O espetáculo Falso Brilhante de Elis com elementos circenses foi de grande sucesso entre os anos de 1976 e 1977, com mais de 1200 apresentações em todo o país.