90 anos do olhar de Joaquim Pedro de Andrade

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Do excelente Joaquim Pedro de Andrade, a gente costuma recordar somente de “Macunaíma”, filme de 1969, adaptação da obra homônima, publicada em 1928 por Mário de Andrade.

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Foi na época em que a vanguarda intelectual redescobriu os modernistas. Era a antropofagia tomando o sol tropicalista da novidade rebelde.

Era saudável redigestão ao estilo dos caetés. Tanto que, diferentemente do que se narra no livro, o protagonista não tem mágicos poderes. A história do personagem está recolocada no pavimento da realidade, sem o tempero do heroísmo sobrenatural.

Mas JPA fez muito mais. Em 1963, dirigira o documentário “Garrincha, Alegria do Povo”, uma joia do acervo futebolístico, mas também uma peça fundamental na tentativa de se explicar o Brasil e o brasileiro.

João Pedro também foi um bom insurreto. Em 1966, ao lado de Antonio Callado, Glauber Rocha, Mário Carneiro, Flávio Rangel, Márcio Moreira Alves, Carlos Heitor Cony e Jaime Rodrigues, promoveu uma ousada ação direta de propaganda.

O grupo estendeu a faixa “Abaixo a Ditadura” à frente de autoridades que tomariam parte em uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), que seria realizada no Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Os “Oito do Glória”, obviamente, foram repreendidos e presos. Em 1969, o governo dos botinudos o matinha sob constante vigilância. Era o DOPS em seu calcanhar. Até que foi detido mais uma vez. Poderia, dessa vez, sofrer com a fúria do militares. Por sorte, a captura coincidiu com a abertura do Festival Internacional de Cinema do Rio. O cineasta francês Claude Lelouch protestou veementemente contra a arbitrariedade e negou-se a exibir sua fita antes da libertação do colega brasileiro.

Também ameaçou denunciar internacionalmente a truculência da milicada. E, assim, João Pedro safou-se mais uma vez do cárcere. Para quem não conhece a obra de JPA, vale também assistir ao excelente documentário “Brasília: contradições de uma cidade nova”, de 1967. Em 23 densos minutos, revela-se que a urbe planejada, fruto do ufanismo desenvolvimentista, não lograva reduzir as desigualdades sociais e realizar os sonhos do povo trabalhador. O filme foi encomendado pela Olivetti, que depois o rejeitou, temerosa de sofrer retaliação dos fardados. Mesmo assim, a fita foi exibida no Festival de Brasília.

No dia seguinte um emissário do governo procurou Joaquim e o “aconselhou” a não apresentar o filme ao departamento de censura. Motivo: não receberia o carimbo de liberação e o diretor poderia sofrer consequências mais graves. Uma cópia, então, foi encaminhada à cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro.

JPA subiu à arquibancada de cima prematuramente, em 1988, aos 56 anos. Estava trabalhando na adaptação de “Casa-Grande & Senzala”, de Gylberto Freire, para o cinema, trabalho que visaria a lançar novas luzes sobre os dramas sociais que compuseram nossa complexa cultura. Não deu tempo. Uma pena.

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