Podemos entender alopragem política como estratégia de criação de factoides, pseudo-eventos ou não-acontecimento que criam a espuma midiática
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira, compartilhado de GGN
As estratégias de comunicação alt-right da extrema-direita basicamente se estruturam em dois princípios: a “alopragem política” e a “comunicação indireta”. O não-acontecimento da matéria de Glenn Greenwald e Fabio Serapião na Folha contra a “falta de ritos” de Alexandre Morais, abrindo uma espécie de “Vaza Xandão” e a denúncia de “perseguição política” contra bolsonaristas flagrantemente revela isso. Principalmente com o timing no momento em que a ultradireita na Venezuela espelha o modus operandi da extrema-direita brasileira, colocando a grande mídia, que incensa Xandão como o guardião da Democracia, numa espécie de saia justa. Por que lá pode e aqui não? Folha não quer impeachment do Xandão, mas duas mais valias semióticas: (a) gerar mais uma crise e continuar suprindo a grande mídia de acontecimentos (alopragem política); (b) com o barulho todo, o efeito Firehose e dissonâncias cognitivas, criar o background subliminar da simetria lulismo-bolsonarismo.
Alopragem política é um conceito que deveria ser mais levado a sério pelos analistas políticos. Porque, de um lado, ajuda a entender a engrenagem atual entre os fatos políticos e a mídia; e, do outro, o núcleo duro da estratégia alt-right de comunicação.
A princípio, podemos entender o conceito de alopragem política como uma estratégia de criação de factoides, pseudo-eventos ou não-acontecimento que criam aquele efeito de espuma midiática – muito próximo a outro conceito, o “efeito Firehose”: a criação de uma espiral interpretativa até o momento em que a diferença entre verdade e mentira desaparece. Para tudo permanecer na função performática: o barulho criado, a confusão, o escândalo etc.
Alopragem política está muito próximo do caos como método através da constante criação de crises, controvérsias etc. E, como bem sabemos, a estratégia alt-right de comunicação não visa o interlocutor, mas o público, a maioria silenciosa, impactada por tanta dissonância cognitiva.
A controvérsia atual surgida da reportagem da Folha feita a quatro mãos pelo notório jornalista e advogado Glenn Greenwald e o repórter Fabio Serapião, contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes (acusado de ter usado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante seu mandato na presidência do órgão, “fora do rito” para investigar bolsonaristas no âmbito dos inquéritos das fake news e das milícias digitais no STF) escancara mais uma vez essa engenharia do caos.
Como sempre, explorar limites e ambiguidades de um sistema (seja legal ou político) para empurrá-lo ao limite, ad absurdum – no caso, a arquitetura da Constituição de 1988 que permite a acumulação de funções dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que atuam simultaneamente como magistrados da mais alta corte e, eventualmente, em outras cortes, como o TSE. O acúmulo de funções entre o juiz criminal que segue o princípio acusatório, e o juiz eleitoral possui poderes de polícia para investigar e tomar medidas de ofício.
Gerando situações de humor involuntário, como a defesa de Alexandre Morais de que “seria esquizofrênico me auto-oficiar” se quisesse seguir à risca o rito.
A co-autoria de notório jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer e responsável pela “Vaza Jato”, cujo vazamentos revelaram uma organização criminosa na “República de Curitiba”, Glenn Greenwald, é simbólica: representa o objetivo de criar uma simetria entre os crimes da Operação Lava Jato e os inquéritos das fake news e das milícias digitais no STF.
Mas para quê? O fato de todo o banco de dados da denúncia da Folha ter provavelmente vindo do celular apreendido do assessor de Alexandre Moraes, pela Polícia Civil de São Paulo (num incidente de violência doméstica no ano passado), e SÓ AGORA, mais de um ano depois, ter sido utilizado revela uma intencionalidade: o contexto atual é de um governador, Tarcísio de Freitas, que definitivamente se lança como candidato à presidência. Depois de ter comprado o apoio da Faria Lima com a privatização da Sabesp – e a promessa de privatizar no futuro tudo, na bacia das almas: Petrobrás, Caixa Federal etc.
E o método utilizado é o da alopragem política: a extrema-direita sabe que é impossível um impeachment do “Xandão”. Assim como a grande mídia sabe que bater diariamente do Nicolas Maduro chamando-o de “ditador sanguinário” não vai derrubá-lo. Porque o objetivo é sempre outro, nunca destinado ao interlocutor imediato: de um lado, aloprar a política para pavimentar o caminho de Tarcísio de Freitas com o oxímoro “bolsonarista moderado”; e no bate-bumbo contra Maduro, desgastar diariamente Lula.
Ou “sangrá-lo”, fixação do jornalismo hemorrágico do “colonista” Gerson Camarotti da Globo News – “Lula está sangrando!”, repete com os olhos esbugalhados.
Notícias, por favor!
Assim como a extrema-direita leu e compreendeu Gramsci (a dimensão estratégica da guerra cultural para criar a hegemonia política nos espaços de poder da sociedade civil), também parece que entendeu uma das teses axiais do historiador conservador norte-americano Daniel Boorstin: a contradição entre notícias e a indústria midiática de informações – a mídia necessita de um fluxo constante da matéria-prima das notícias, os acontecimentos. Precisa de um interminável fluxo de conteúdo para atrair anúncios, espaços publicitários etc.
O problema é que a realidade não produz tantos acontecimentos assim. O que Boorstin revelou em seu livro “The Image: A Guide os peudo-events in America” como, dessa maneira, a mídia cria “pseudo-eventos” para corrigir essa “deficiência” da realidade – cria coletivas, debates, encontros, conferências etc. para arrancar depoimentos, controvérsias que gerem manchetes.
Consciente dessa contradição midiática existencial, a estratégia alt-right é criar uma usina produtora de crises, a engenharia do caos – fornecer um fluxo constante de “crises”, denúncias, contra os outros e até contra si mesma: notem como Bolsonaro foi o presidente que mais produziu provas contra si mesmo.
Satisfazer a sede midiática por acontecimentos. Aloprar a política, acelerando o tempo dos acontecimentos para que se sintonize com o tempo midiático.
Como? Para começar, através do “agro jornalismo”: a indústria de plantação de notas para os “colonistas” – aqueles jornalistas que trabalham sentados, ligando ou aguardando ligações das “fontes”. Ou aguardando postagens em redes sociais para “repercutir” – turbinar ou dar pernas à próxima não-notícia, geradora da nova “crise”.
Ou através de uma grife jornalística como Glenn Greenwald (movido por obsessões pessoais em torno da primeira emenda da Constituição dos EUA), criando o pseudo-evento da denúncia da ausência de “ritos” nos atos de Alexandre Morais à frente do STF e TSE – uma bomba semiótica, nitroglicerina pura, cuja explosão gera uma interminável espiral especulativa.
A espuma midiática cujo principal beneficiário é o “bandeirante-frankenstein”, a criatura Tarcísio de Freitas, vinda diretamente dos laboratórios de jantares com midiáticos como Luciano Huck e futuros ministráveis como Roberto Campos Neto, do Banco Central “autônomo”.
A alopragem política supre uma deficiência que sempre dominou o sistema político: para usar um termo da moda, a Política sempre obedeceu a “ritos”: os ritos processuais dos debates das casas do Congresso, as negociações, os cronogramas das mesas diretoras, o timing lento da Câmara e do Senado em busca de consensos através de acordos, alianças, das consultas políticas às bases de deputados e senadores.
A mídia sempre se ressentiu desse timing lento, oposto do tempo midiático acelerado: sempre acusou os políticos de “não trabalharem”, serem “preguiçosos”, “só estão em Brasília de terça a quinta-feira” etc.
Pois a estratégia alt-right de comunicação corrigiu essa “deficiência”: para a sensação de “colonistas” e editores, o bolsonarismo virou uma fonte inesgotável de “notas”, bravatas, crises, denúncias, escândalos, até voltando-se contra si próprio. Tudo on-line, em tempo real nas redes sociais.
Pois, sabem, contam com a normalização da grande mídia… afinal, ela é eternamente agradecida pelas pautas e conteúdo incessantes.