Por Enio Squeff, Ateliê Squeff –
Algumas pessoas, a partir de um artigo anterior, optaram por discutir a questão da arte nas ditaduras, ou em momentos como o que vivemos no Brasil, entre trágico e cômico, mas também de completa anomia.
Quem primeiro levantou a questão foi Theodor W. Adorno, logo depois de 1945. Ele perguntava se a arte seria possível após o Holocausto. Com o respeito devido ao grande filósofo, a proposição parece perfunctória. Bastante ociosa, quando se sabe – e Adorno mais que ninguém – ser a atividade artística não apenas um divertimento – no sentido etimológico de ter um caráter diversionista – mas uma invenção, muitas vezes trágica ou cômica, mas sempre uma invenção poética. Tudo a ver com o que lembrou aqui Rosana Nora sobre Iberê Camargo, para quem, o pintar referia-se ao sofrimento. “Eu pinto porque a vida me dói” teria dito o artista gaúcho.
De fato, não saberíamos do trágico em sua dimensão universal e atemporal, sem Shakespeare; ou Georges Rouault, pintor contemporâneo francês, hoje meio esquecido, que antecipou ainda nos anos 50 do século XX, os muitos juízes arrogantes com suas cataduras quase sempre cínicas.
Beethoven reclamava dos que choravam à audição de suas peças. “Componha não para que as pessoas chorem, mas para que pensem” teria dito o grande músico – ele mesmo um surdo que arrostou o destino compondo suas últimas obras, sem nunca tê-las podido escutar fisicamente, a não ser em seu “ouvido interior”. Só por isso já seria um herói. Mas foi mais.
No caso brasileiro, dar a Temer e sua quadrilha o dom de paralisarem a arte brasileira, é superestimá-los. Encomiá-los, por iconoclastas, é muito além do que suas excelentíssimas mediocridades merecem.
Fazer arte, porém, pode doer, de fato. Verdi compôs uma comédia, no início da sua carreira (Un Giorno di Regno, Um dia de Reinado), tendo a acossá-lo, a lembrança recente da morte de duas filhas crianças e de sua jovem esposa de 24 anos; tudo no prazo de menos de um ano. Uma tragédia pessoal, irrecuperável para qualquerr humano. No entanto, Verdi viveria quase 50 anos a mais, inventando poeticamente com a sua grandíssima arte de operista.
Quando um escritor importante afirma apenas querer escrever, fixe-se sua atividade no todo do momento histórico da sua nação. Não são raras as surpresas. Leonardo da Vinci legou-nos sua arte num dos momentos mais violentos e cruéis de seu tempo. Ravel sobreviveu aos horrores da Primeira Guerra, compondo com um ímpeto invulgar. O melhor da música popular brasileira foi feita durante os momentos mais ferozes da ditadura militar.
Certo: Temer é contra a cultura. Provam-no seus correligionários. E nada mais medíocre dos que exaltaram Aécio como “salvador da pátria”. Assim também com Sérgio Moro. É um oportunista de toga, a serviço do que há de pior. Ridicuralizá-lo talvez seja pedir demais aos artistas. Mas Molière expôs as preciosas ridicularias de seu tempo, com engenho e arte. Conhecemos a pomposidade vazia do reinado de Luis XIV por suas peças inesquecíveis.
É o que os artistas farão desses nossos tempos balofos de estrumeira intelectual. Quem sabe os fascistas, idólatras da morte e do ódio colérico, não percam por esperar.
Obs.; o autor do texto, Enio Squeff, em seu ateliê.