Por João Tavares, jornalista, para o Bem Blogado –
Ele usa Cialis para que o bilau não saia de forma. Despacha de uma mesinha improvisada no closet do Palácio da Alvorada, enquanto os subordinados sentam em um puf. Adora ver e rever os episódios do Chávez e ri constantemente das mesmas piadas. A propósito, a tentativa de contar piadas ao presidente Trump constrangeu assessores e interpretes e, o fato em si, entrou para o anedotário do Itamaraty. Não digo quais piadas para não passar vergonha e evitar o spoiler.
Ele desconfia sempre que pode estar sendo gravado, teme ser envenenado até dentro de casa e em meio a uma reunião sobre assuntos estratégicos para o país, liga a TV e vai assistir a uma partida de futebol. Quando recebe outras autoridades levando demandas, muda de assunto ou simplesmente confessa não entender nada do que ali está sendo tratado. Embora a assessoria técnica da Presidência prepare sempre um briefing com a pauta e os cenários de qualquer audiência.
Essas e inúmeras outras revelações, digo, aberrações, surgem página após página no necessário livro ‘Tormenta – o Governo Bolsonaro, crises, intrigas e segredos’ de Thais Oyama. Em pouco mais de 200 páginas, em um texto que não perde o ritmo, a jornalista faz uma primeira radiografia de um governo que tem a balbúrdia como a sua melhor tradução e revela um mentecapto como o seu timoneiro.
Bolsonaro, na sua cabeça atormentada, vive cercado de inimigos. Reais e imaginários. Com ele, ou se é subordinado ou não se pode confiar – que o digam Bebiano, Joice, Frota e tantos outros e outras. Moro já aprendeu a colocar o rabo entre as pernas, senta, deita e rola de acordo com os comandos do dono. Óbvio que espera um descuido para morder os fundilhos do mentecapto e alavancar seu projeto de ocupar o lugar do dono.
Paulo Guedes, espertamente, leva os projetos para o chefe que, na incapacidade de entendê-los, os aprova apenas por se sentir levado em conta. E segue o barco do mascote vencendo o Brasil em portos estrangeiros a preço de liquidação para o júbilo dos neopiratas do século XXI.
O livro conta com extensa referência bibliográfica e com as incontáveis informações que a jornalista apurou em on e off. Um libelo a demonstrar o improviso, a incompetência e o desarranjo de um frágil tripé (generais/Moro/Guedes) que é desmoralizado dia após dia pelos caprichos dos três filhos que mandam e desmandam no governo e no próprio pai.
A autora descreve em minúcias a crise de maio de 2019, quando Bolsonaro esteve a pique de ser afastado do cargo e foi salvo pelas articulações e ações do ex-‘menino do Lula no STF’, ministro Dias Toffoli, que num giro de 180 graus tornou-se um dos melhores amigos do Capitão, a ponto de ambos rechearem suas conversas com incontáveis palavrões – medida esta que determina a intimidade de qualquer interlocutor com o atual Presidente.
Com tantas informaçôes e dezenas de fontes seguras, o livro contém duas grandes lacunas, quem sabe a serem preenchidas em um ‘Tormenta 2’. Ambas preservando a figura de Sergio Moro. A história da nomeação de Moro como Ministro da Justiça carece de uma maior investigação. E, lacuna das lacunas, as denúncias da ‘Vaza-Jato’ não ocupam mais do que meia página (um paragrafo e meio) de registo em um livro de mais de duas centenas de páginas.
O livro não tem um ponto final. Afinal a balbúrdia continua e o respeitável público tem diante de si um espetáculo novo a cada dia nesse Circo Brasil. Nossa Democracia permanece em Vertigem e não fora um sacrilégio com Fernando Sabino e seu quixotesco personagem Geraldo Viramundo e esse ‘Tormenta’ bem poderia se chamar ‘As novas aventuras do Grande Mentecapto’.
Triste e trágico é que esse Mentecapto não nos faz rir, sonhar e refletir como fazia o personagem de Sabino. Entre ranger de dentes, pesadelos e insanidades do tenebroso presente é preciso conhecer a tormenta para dela se afastar e acreditar que amanhã vai ser outro dia.
