E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, ainda vai de carnaval, mas sai da avenida para falar da repercussão da vitória da Beija-Flor da sua Nilópolis, falando da euforia de um personagem da cidade, o Índio.
“Encontrei hoje à tarde o Índio, mais tresloucado do que nunca com a vitória da Beija-Flor. “Ninguém põe corda no meu bloco, ninguém dá ordem ao pessoal, a não ser o amigo de ala aqui”, era o que ele dizia, senão em Tupi, pelo menos em língua geral. Ou foi eu quem quis entender tudo assim? Sei não.
Que figura é o Índio, que, além de ser o Segurança Presente do quarteirão, é o responsável pelo almoxarifado da antiga quadra da Beija-Flor, que fica praticamente ao lado da minha casa.
Índio entenderia se eu lhe dissesse que não vi o desfile da escola do munícipio onde moro? Acho que sim, ele é um cara muito compreensivo. E no mais a mais, eu não iria lhe dizer nada, não iria me comprometer à toa. Eu nunca perguntei, por exemplo, se ele tinha Iracema e curumins. Será que ele tem curumins?
Quando ontem saiu o resultado anunciando que a Beija-Flor era a campeã do Carnaval 2025, cheguei até a esboçar uma alegria. Muita gente da cidade respira azul e branco. Fico feliz por eles, pelo esforço, pela dedicação. Fico feliz pelo Laíla; pelo genial Joãozinho Trinta; pelo Neguinho da Beija-Flor; pelo meu sogro, que era Beija-Flor; pelo tio Pardal, tio emprestado, que fez parte dos anos dourados da Comissão de Carnaval da BF.
Mas voltando ao Índio, será que ele entenderia que eu ainda sou Vila Isabel, somente porque quando eu morava no bairro acordava para ouvir da minha janela a deliciosa onda rítmica da escola? Eu nunca pude ser outra escola, lamento. Sou Vila Isabel até morrer. Enterrem meu coração na 28 de Setembro, joguem minhas cinzas no Boulevard, que eu vou pelo Canal da Maxwell até o Maracanã.
De divagação em divagação, chego a esta: “Se bem que ‘Índio’ é apenas apelido. Ele está mais pra do norte se a gente for julgar só cara-crachá”. Está certo que seu tom de pele é acobreado, mas pode ser culpa do sol. É de fazer coçar o cocuruto índio sem cocar, e ainda mais coberto de badulaques de metal em vez de penas e sementes vermelhas. E aqueles tênis que ele usa, onde será que os compra? Em Madureira? O Índio é o cara.
A partir da semana que vem, recomeça-se o ano. Enquanto a gente sonha com outro feriadão pra por os pés na estrada e ser feliz, as pessoas do Carnaval começam a pensar em outro enredo. Qual será? O que vai ser? Como é que é? Segredo, segredilho, sagrado.
No torvelinho da rotina, o Índio passará por mim disposto a contar as novidades e as tradições. Sem dar a mínima para minha pressa, me chamará num canto para narrar as histórias mais mirabolantes dos donos da cidade e do Carnaval que entreouviu. Eu escutarei quieto, rindo um pouco para dentro da maneira como ele se enreda nas histórias.
E tem mais: para ele eu sou o Russo. Para ele eu sou todos ouvidos. Bem, para ele e para a bateria da Vila Isabel, que ainda ecoa em sonho depois de tantos carnavais que se passaram.
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019), Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.