A Brecht o que é de Cícero César, um poema

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Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Neste capítulo, Cícero César mostra um seu poema “Á maneira de… Brecht” e manda uma singela cartinha para este editor, Washington Araújo.

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence (Bertolt Brecht)




“Beija-flor, 17 de março de 2022.

Meu caro Wash, o poema a seguir faz parte de uma série intitulada “À maneira de”. Eu tinha acabado de ler os poemas de Bertolt Brecht em uma cuidadosa tradução de André Vallias. Cheguei a escrever uma carta para ele, mas não creio que ele a tenha lido. Paciência. 

Enfim, fiquei tão encantado com os poemas do alemão que resolvi criar os meus tendo como base os dele – daí o motivo do título “À maneira de”. 

No geral, achei curioso o fato de Brecht não escrever poemas difíceis. As rimas eram relativamente simples, ao alcance de qualquer poeta mediano. O vocabulário, também muito usual.

Entretanto, os poemas eram por demais expressivos. O que quero dizer com isso é que nem sempre a palavra mais altissonante, a rima mais rebuscada, trará à luz e aos ouvidos o efeito desejado.

Fica aqui o alerta: não basta repetir (no sentido de replicar) Brecht. Ser simples não é o mesmo que ser simplista. 

Era o início da pandemia, 2020. Como muitos de nós, eu sabia que enfrentaríamos uma tempestade perfeita: crise mundial, efeitos locais. Faço parte daqueles trabalhadores que ficaram temporariamente em “home office”. Tentei dar aulas de inglês para a garotada e manter a esperança lá em cima, a deles e a minha.  Não dá para contar aqui tudo o que vivi e o que não vivi sendo professor em tal situação. Por enquanto, não.

Quanto ao poema, esta versão é diferente da original. Eu tenho o costume de mexer muito nos textos, especialmente os que são em verso.

Fico lendo em voz alta até encontrar um ritmo que me pareça adequado, pelo menos para mim.

Enfim, alguma coisa mudou, ainda que a ideia tenha permanecido praticamente a mesma.

Que os poetas saibam encontrar com seus próprios recursos as formas mais necessárias de cantar e transformar o seu tempo.

DIÁLOGO DE REMADORES

Estamos na mesma canoa furada

Que afunda

Já temos água pela bunda

Mas seguimos remando a mando do homem de frente

Que se acha mais homem que a gente

Estamos na mesma canoa furada

Que a muito custo flutua

Com água já pela cintura

Mas seguimos remando, acelerando

Enquanto o homem de frente foge nadando

Estamos na mesma canoa furada

Os mais velhos e os mais moços

Com água já pelo pescoço

Mas seguimos remando, sem mando porém

Sem homem de frente, sem ninguém

Estamos na mesma canoa furada

Sem boias e sem coletes, sem nada

Com água já pelo nariz

Boiaremos que nem toletes?

Afundaremos que nem um país?”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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