Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora –
O Rio de Janeiro lidera a lista de assassinatos e atentados, seguido por Minas Gerais, Ceará, Maranhão e Pará no ranking das violências políticas, diz estudo das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global
Durante praticamente toda a disputa eleitoral, a candidata a vereadora de Niterói, Benny Briolly (Psol), recebeu mensagens de ódio em suas redes sociais. “Nunca vai ser mulher…Pode colocar silicone nas tetas, cortar o pau, se encher de hormônio, mas mulher nunca será!!! Toma vergonha nessa cara!!!”. Em outra mensagem, teor parecido: “Essa porra da foto e Ele ou Ela? Na boa? Essa galerinha merece uma surra de gato morto. Mas bater até o bicho miar”. À medida que a campanha municipal avançava, os ataques homofóbicos foram ficando mais pesados, chegando ao nome de um dos acusados da morte da vereadora Marielle Franco, também do Psol: “Ronnie Lessa já está de olhos em vocês. Cuidado com a metralhadora de excluir maconheiros kkk”.
No início da tarde do dia 21 de outubro, a candidata e primeira assessora trans na Câmara de Vereadores de Niterói, quando trabalhou com a atual deputada Federal Talíria Petrone (Psol), foi à 76ª Delegacia de Política de Niterói. Benny, mulher preta, travesti e militante de direitos humanos, saiu de lá com um boletim de ocorrência. A mensagem citando Ronnie Lessa fora postada um dia depois de Talíria gravar um vídeo apoiando a ex-assessora. Como Benny não tem dinheiro para bancar um segurança para protegê-la, a estratégia adotada, após a denúncia, foi mudar a ida às ruas, que, deste então, passou a ocorrer apenas quando acompanhada de um número maior de apoiadores e assessores.
“As ameaças foram ficando mais concretas, mais reais… Senti muito medo”, admite Benny. Os ataques sofridos pela candidata são bem mais recorrentes do que se imagina na política brasileira. De 1º de janeiro de 2016 a 1º de setembro deste ano, ocorreram 327 ataques contra políticos no Brasil, segundo o estudo “Violência Política e Eleitoral no Brasil – Panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020”, das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global.
A pesquisa revelou que a cada 13 dias ocorre um caso de ataque à vida contra representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos no Brasil. A atuação da milícia fez o Rio de Janeiro liderar o maior número de assassinatos e atentados no período estudado, e também onde o cenário preferencial das mortes ocorreram na capital. Nos exemplos mapeados, 83% dos atentados e assassinatos aconteceram em cidades do interior do país. A pesquisa mapeou 125 assassinatos e atentados no país. Ou seja, uma média de, pelo menos, 27 casos de ataque à vida de mandatários eleitos e pré-candidatos por ano. Os alvos preferenciais costumam ser vereadores e prefeitos.
“A realidade de cada região vai ditando o contorno da violência política e eleitoral no país”, explica Élida Lauris, coordenadora de pesquisa da Terra de Direitos. Enquanto no Pará, a disputa fundiária é responsável por detonar a violência; nos estados do Nordeste, é a disputa entre famílias politicamente adversárias que está no cerne da questão. Depois do Rio, que liderou a pesquisa, vieram Minas Gerais, Ceará, Maranhão e Pará. Em 91% dos casos, as vítimas eram vereadores, prefeitos ou vice-prefeitos (pré-candidatos, candidatos ou eleitos).
“Depois que fechamos a pesquisa, já ocorreram mais sete casos de assassinatos e atentados no país, o que indica que 2020, apesar de atípico por conta da pandemia, vai ser um ano com dados relevantes de assassinatos”, projeta Élida. “A linha do tempo sugere que os atos violentos contra a vida repetem-se de forma constante ao longo dos anos, com pouca diferença entre períodos eleitorais e períodos não-eleitorais”, complementa, evidenciando o aumento da violência em 2019, o que mostra a “disseminação social da violência e a consolidação da violência no cenário político do país”.
O ano de 2019 foi especialmente violento no país. Foram registrados três vezes mais casos em relação a 2016: 136 contra 46. A violência política, diz o estudo, tem vitimado “agentes políticos, instituições públicas, grupos sociais específicos e valores democráticos fundamentais” a uma sociedade política igualitária”. Só este ano, até o dia 1º de setembro, já ocorreram 27 assassinatos/ atentados. Mas foi em 2018, que a violência política e eleitoral escalou degraus bem mais sórdidos. Na noite do dia 14 de março de 2018, Marielle foi executada. Seis meses depois, o então candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado (facada), durante um ato público em Juiz de Fora (MG).
Dos 24 estados onde foram mapeados assassinatos e atentados, 83% dos casos ocorreram em cidades do interior. Em 63% das investigações em curso não foram identificados suspeitos dos crimes. Ao todo, 125 vítimas, dos quais 61% dos casos ocorreram contra vereador eleito e pré-candidato. A esmagadora maioria de representantes eleitos, candidatos ou pré-candidatos assassinados ou que sofreram atentados é do sexo masculino: 116 ocorrências, o que representou 93%.
Ainda que menos expostas a assassinatos e atentados, as mulheres na política são submetidas a um cenário cotidiano de ameaças, agressões, humilhações e ofensas. “Enquanto o corpo físico do homem é um alvo central de ataque, na lógica do oponente político que precisa ser eliminado, a baixa representação de mulheres na política e a estigmatização do seu papel levam a uma dinâmica de não reconhecimento das
mulheres como iguais, o que faz com que sua dignidade seja o principal alvo de ataque”, ressalta o estudo.
O estudo mostra que quem morre é o político, mas é a democracia que está sob ataque. “Os episódios de violência política, que a cada ano passam a fazer parte da rotina da sociedade brasileira, são uma violação aos direitos humanos e afetam toda a sociedade”, concluí o estudo, que apresentou um conjunto de recomendações ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).