O menino e o velho estão a caminho do estádio. Neto e avô. Dessa vez, o pai do menino, filho de velho, não pôde ir ao jogo com eles, por causa do trabalho.
por Cláudio Lovato Filho, compartilhado de Museu do Futebol
O velho está dirigindo; o menino ao lado. Ouvem no rádio as entrevistas e os comentários pré-jogo.
Lá pelas tantas, o menino diz:
“O Fulano não vai jogar!” O espanto e a decepção dele são enormes.
“Lesionado”, diz o velho.
“Mas ele já estava recuperado! Eu li!”
“Parece que ainda não…”
Pela janela do carro, o menino observa a movimentação de torcedores que estão indo a pé para o estádio.
“Será que vai lotar hoje?”, ele pergunta ao avô.
“Vai estar cheio. Lotado, lotado, não sei”.
“Você acha que vão demitir o Beltrano se a gente perder?”
“O que você acha dele?”
O neto ficou um tempo pensando.
“Não sei…”
“Nâo é fácil avaliar o trabalho de um técnico”.
“É…”
“Quero dizer, o quanto do problema é ele e o quanto são os jogadores”.
“Você acha que técnico ganha jogo?”, o menino pergunta.
O avô ri. Rio alto.
“Essa pergunta é velha!”
“Mas o que você acha?”
“Acho que sim. Acho que o técnico pode ganhar jogo e também pode perder jogo”.
“Mais ganhar do que perder ou mais perder do que ganhar?”
“Aí não sei. Acho que meio a meio”.
Estão agora bem próximos do estádio. É só virar a esquina para avistar o lugar de que tanto gostam.
“Você se lembra da primeira vez que foi ao estádio?”, o neto pergunta.
O avô sorri. Não ri. Sorri. O sorriso da nostalgia.
“Eu me lembro como se fosse hoje”.
Diz isso e sente que os olhos umedeceram. Está emocionado.
“Sério? Quando foi?”
“Foi com o seu bisavô. Faz muito tempo. Eu tinha mais ou menos a sua idade. Ele era como nós. Largava tudo para ver um jogo do time”.
“Eu me lembro pouco dele…”, diz o menino.
“Você era muito pequeno quando ele morreu”.
E então o velho conta ao neto, o mais detalhadamente que pode, como foi aquela primeira ida ao estádio, mesclando realidade e imaginação, coisa vivida e coisa sonhada.
Depois, já subindo a rampa que os levaria a seus lugares no estádio, com o neto caminhando à sua frente, o avô projeta como estará o menino daqui a alguns anos, homem maduro subindo aquela mesma rampa, talvez com o filho, ou filhos, talvez sozinho, quem sabe lembrando dos tempos em que vinha ao estádio em companhia do avô, e em como aquelas idas ao estádio com o avô foram agradáveis, importantes e impossíveis de serem esquecidas.