Com papel, caneta e tecnologia, Vitória Pinheiro, Lídia Guajajara e Amanda Costa incorporam pautas sociais e denunciam preconceitos, racismo e estereótipos no combate à crise climática.
Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Jovens ativistas pelo clima. Fotos de Arquivo pessoal e Ageu Guajajara
Terceira brasileira a ser nomeada para o Programa de Jovens lideranças na Comissão Europeia, Vitória Pinheiro é a primeira pessoa trans no mundo a ocupar um assento nessa instituição. De origem afro-indígena, nascida e criada em Zumbi dos Palmares, bairro da periferia de Manaus (AM), Vitória personifica os novos ativistas do clima da Geração Z. Acostumada a viver a exclusão, Vitoria, de 25 anos, não separa a crise climática de outras pautas, como a identitária, a desigualdade social, a falta de moradia e o saneamento básico. “Está tudo junto e misturado, e as pessoas mais afetadas pelo aquecimento global são, justamente, as ignoradas, as silenciadas, as invisibilizadas”, afirma.
Como ponto focal regional de criança e juventude na América Latina e Caribe da Comissão Europeia, Vitória faz parte de um grupo de 11 jovens lideranças ambientais no mundo. Nos dias 22 e 23 de junho, ela esteve em Bruxelas participando do European Development Days, principal fórum europeu sobre desenvolvimento e cooperação internacional. Antes dela, tiveram assento nesse fórum Laís Leão, em 2018, e Letícia Carmo, em 2019.
De Bruxelas, a jovem ativista amazonense seguiu para a Katowite, na Polônia, onde ocorreu, no final de junho, o 11º Fórum Urbano Mundial, a maior conferência global sobre futuro das cidades. O encontro foi promovido pela ONU-Habitat. O principal tema do encontro foi como transformar cidades em ambientes mais resilientes e sustentáveis num contexto de urbanização acelerada. A estimativa é que, até 2050, o percentual da população mundial que vive em cidades passe de 55% para 68%. No planeta, a população urbana já supera a rural desde 2007.
Não adianta vir nos dizer que indígena não pode ter celular porque estamos trabalhando para desfazer essa visão romantizada sobre o indígena. Com iPhone ou Android, estamos denunciando crimes e atrocidades contra nossos direitos, corpos e territórios
Lidia GuajajaraInfluencer e comunicadora indígena
“A política permanece dominada por homens brancos, cis, hetero”, observa a jovem negra e trans, de 25 anos, que saiu do anonimato como diretora-executiva da Palmares, uma organização que fundou para desenvolver soluções que pudessem promover a justiça social e implementar políticas públicas em prol de jovens periféricos de todo o país. Ela esteve em Glasgow, na Escócia, no final de 2021, participando da COP26. Lá, a ativista reforçou seu discurso: “A desigualdade leva a falta de acesso a serviços básicos, como educação, saúde, alimentação, mas, principalmente, a cidadania e o direito a um ambiente seguro”.
O jovem ativismo ambiental vem ganhando novos contornos à medida que a crise climática se aprofunda no mundo todo, com imagens e notícias sobre derrubadas de florestas e queimadas, buracos na camada de ozônio, derretimento de geleiras. Há 30 anos, quando a canadense Severn Cullis-Suzuki, então com 12 anos, subiu ao palco na Rio92 e desceu de lá conhecida como a “menina que calou o mundo”, o discurso ambiental não era carregado de pautas sociais e a tecnologia ainda não era uma aliada dos ativistas.
Ativismo digital
“A luta do meu povo é com papel, caneta e tecnologia”, defende a influencer e comunicadora do coletivo Mídia Índia Lídia Guajajara, 25 anos, que usa seu celular como uma arma de resistência. Transitando entre a aldeia – ela vive na Terra Indígena de Araribóia, localizada no sul do Maranhão – e a cidade, ela adotou o ativismo digital para militar e usa e abusa do Instagram, Twitter, Youtube, Tik Tok e Facebook.
Transitando entre tradições e modernidades, Lídia disputa espaço e narrativas para contrapor estereótipos, preconceitos, racismo e, principalmente, defender seu território. “Não adianta vir nos dizer que indígena não pode ter celular porque estamos trabalhando para desfazer essa visão romantizada sobre o indígena. Com iPhone ou Android, estamos denunciando crimes e atrocidades contra nossos direitos, corpos e territórios”, comenta Lídia, que também milita na Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
A mais midiática das jovens ativistas ambientais, a sueca Greta Thunberg costuma sintetizar em seus discursos a angústia existencial da sua geração: “Nossa casa está em chamas. Eu não quero a sua esperança. Eu quero que vocês entrem em pânico… e ajam!”.
Vozes plurais
Para a ativista ambiental Amanda Costa, “as juventudes” engajadas na luta pelo clima vão muito além de Greta: “Os jovens ativistas climáticos são de diferentes grupos sociais, de diferentes classes, de diferentes raças”. Ela acredita que a sueca ganhou a projeção internacional que tem hoje, porque é uma “menina branca, do Norte Global e que recebeu apoio de importantes tomadores de decisão, o que ajudou ela a furar a bolha”.
Sou preta, moro na periferia de São Paulo e assumi o ativismo climático como um dos pilares da minha vida, desafiando o status quo e contrariando a lógica heteronormativa que insiste em silenciar a minha voz
Amanda CostaAtivista ambiental e conselheira da ONU
Greta tinha 15 anos em 2018 quando decidiu se sentar em frente ao parlamento sueco diariamente, durante três semanas, para protestar contra a falta de ação no combate à crise climática. Ela postou o que estava fazendo no Instagram e no Twitter. Seu protesto viralizou e virou uma marca internacional #FridayForFuture.
De Severn até hoje, e passando por Greta, o ativismo ambiental foi ganhando corpo e pluralidade. No Acordo de Paris, por exemplo, a discussão climática, salienta Amanda, era centrada exclusivamente na pauta econômica: “Os termos mais usados eram perdas e danos”. Hoje, não é mais possível ignorar termos como racismo ambiental, justiça climática, equidade de raça e gênero.
A primeira vez que se falou em racismo ambiental foi em 1981, quando o líder afro-americano e ativista pelos direitos civis Benjamin Franklin Chavis Jr. explicou o termo e sua preocupação: “Racismo ambiental é a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de resíduos tóxicos, sanção oficial da presença de venenos e poluentes com risco de vida à comunidades e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos”.
Conselheira da ONU, na categoria juventude, e vice-curadora no Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial, Amanda, que é fundadora do Instituto Perifa Sustentável, admite estar cansada de ouvir que “meio ambiente é assunto de gente branca, rica e burguesa”. A jovem ativistas quer quebrar padrões preestabelecidos: “Sou preta, moro na periferia de São Paulo e assumi o ativismo climático como um dos pilares da minha vida, desafiando o status quo e contrariando a lógica heteronormativa que insiste em silenciar a minha voz”, afirma Amanda, de 25 anos.