A última vez em que ouvimos falar de Adamastor foi sobre aquele navio que levou “seu” Português para Portugal para se casar com uma cachopa, na criação do grande Noel Rosa. Agora, a ótima escritora e jornalista Sonia Nabarrete (foto) encontrou outro Adamastor, o carente.
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Adamastor, o carente
Lá vem ele de novo. Tadinho, tão carente. Fala comigo como se eu fosse uma criança. Eu deixo. Assim ele se acha o dono da situação. No fundo, gosto dessa paparicação, embora às vezes sinta o enorme peso de ser uma das poucas fontes de afeto para alguém.
Mas não posso reclamar: ele me dá casa e comida, sai comigo, me acha linda. Em troca, só quer que eu demonstre afeto. A mim não custa nada, faz parte da minha natureza. Ele fica todo feliz, mas finge estar incomodado: para com isso, Lucinha. Foi esse o nome que me deu, quando me tirou da rua. No começo, achei meio estranho, mas depois acostumei.
No fundo, tive sorte de ser escolhida pelo Adamastor. Poderia estar nas mãos de algum neurótico que chega agredindo, quando as coisas vão mal. Ou nas ruas, abandonada.
Eu só me incomodo mesmo com essa carência tão grande que ele tem.
Agora, estamos dormindo juntos todos os dias. Eu comecei a ir para a cama com ele. Aí fui ficando. Fui eu quem quis, mas deixo ele achar que a idéia foi dele.
Não pensa besteira. É uma relação assexuada, sabe? Melhor assim, eu acho que não ia curtir. Tesão mesmo eu tenho pelo Tonzé, o boxer da vizinha.