Não é raro que jornalistas enfrentem situações como a de Veruska. É uma profissão onde o repórter, como é o caso dela, convive com todas as contradições, às vezes em questões de poucas horas: um dia faz cobertura de uma festança em uma luxuosa mansão, no outro vai cobrir tiroteio e morte na favela. É ver gente vivendo nababescamente na luxúria e outras procurando comida no lixo. É conviver diariamente com a mais dura realidade, com todas as injustiças que se apresentam quando menos se espera.
Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência
Minha solidariedade à jornalista Veruska Donato, que decidiu pedir demissão depois de 21 anos trabalhando na TV Globo. Em um ato de coragem, e para manter a sua saúde física e mental, decidiu abrir mão de um trabalho que é um verdadeiro sonho para muitos que exercem a profissão. Ainda mais em tempos em que muitos jornalistas estão desempregados.
Veruska não suportou a pressão que é trabalhar no jornalismo diário, em um local de grande exposição pública que é a TV Globo. Como repórter sensível, não conseguiu suportar mais o convívio diário com as injustiças, que se tornaram ainda mais agravadas com o desgoverno Bolsonaro. Não conseguiu trabalhar internamente, por exemplo, como ela mesma relata, como lidar com a fome, a maior chaga que se agiganta no país do governo de extrema-direita.
“Vi, ouvi e contei histórias de tragédias, filhos que ficaram órfãos, pais que enterraram seus filhos, vi o desamparo e o desespero de quem foi obrigado a combater a doença”, relata ela no seu facebook. “A gente se perguntava: Quando vai passar? A Covid sucumbe com a vacina, mas uma outra doença, essa antiga, mostra a cara de maneira cruel: a fome. Fiz várias reportagens sobre o quanto ela castiga, o quanto resiste. Descobri que diferente da fome, eu não sou resistente, diante dela me senti impotente”.
Não é raro que jornalistas enfrentem situações como a de Veruska. É uma profissão onde o repórter, como é o caso dela, convive com todas as contradições, às vezes em questões de poucas horas: um dia faz cobertura de uma festança em uma luxuosa mansão, no outro vai cobrir tiroteio e morte na favela. É ver gente vivendo nababescamente na luxúria e outras procurando comida no lixo. É conviver diariamente com a mais dura realidade, com todas as injustiças que se apresentam quando você menos espera. Precisa ter “coração peludo”, o que não era o caso dela.
Mas, o mais grave é que os jornalistas não podem demonstrar emoção quando estão no ar, como se fossem robôs resistentes a todo os tipos de adversidades. Não podem sequer ter opinião ou se posicionar, como foi o caso dela. Veruska foi hostilizada por bolsominions quando no Instagram postou um elogio ao padre Julio Lancelotti, que tem grande trabalho voltado para os mais necessitados, ainda mais durante a pandemia.
“Sou um misto de ansiedade, saudade, alegria e tristeza. Nos últimos anos ouvi amigos queridos aconselharem a “relaxar”, “deixar pra lá”, “as coisas agora são assim “, “um dia você acostuma ou adoece”. Eu adoeci. Adoeci de saudades da família, da segurança de um lar, de medo, medo de morrer, de ver pessoas queridas morrerem. Há dois meses postei no Instagram uma foto e um elogio ao padre Julio Lancelotti e o trabalho que ele faz na Cracolândia. Recebi dezenas de ofensas e xingamentos, alguns apaguei. Eu já criei uma couraça em relação às redes sociais, mas o padre? Ah, não. O padre Julio é símbolo de afeto, é puro amor. Esse ódio mexeu comigo”.