A Covid leva meu amigo João Macacão, o seresteiro de São Paulo

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Por Luis Nassif, compartilhado de Jornal GGN – 

Juntos navegamos pelos bares de São Paulo, vi seus filhos crescerem e ele acompanhou o crescimento das minhas quatro filhas. Tocamos em São Paulo, em Guaratinguetá, em Poços de Caldas, tocamos pelos bares de Sampa. Nos saraus de casa, era sempre o primeiro a aparecer, com uma pontualidade inigualável.

João Macacão se foi, duas paradas cardíacas em cima de um organismo debilitado pelo coronavirus.

João foi companheiro de rodas de choro desde meus primeiros anos em São Paulo. Conheci-o no Bar do Alemão. E João já era uma lenda, com seu violão de 7 cordas acompanhando Silvio Caldas. Manteve-se com Silvio até sua morte. Antes de morrer, Silvio recomendou-o a Paulo Vanzolini, como quem entrega o filho para um preceptor.

Junto com João, rodamos todas as rodas de choro de São Paulo. Lembro-me de uma noite inesquecível nos anos 70, em que haveria uma rodada em uma república de jornalistas e artistas em Santo Amaro. Do lado dos jornalistas, Dirceu Brizola, acho que o Roberto Muller também. Do lado das artistas, as iniciantes Sônia Braga e Bruna Lombardi. A república era da melhor tradição das vilas hippies da década de 60. A festa rolou solta e, admito, nós, do choro, éramos os únicos quadrados da história – os mais velhos entenderão o termo.




No meio da festa uma moça se encantou com João. E, do nada, apareceu a namorada da moça ameaçando dar pernada na gente. Resolvemos bater em retirada. Durante anos João contava a história e a surpresa de ter entrado em um ambiente tão exótico quanto aquele.

A amizade perdurou por décadas. Quando comprei um apartamento, em fins dos anos 80, o João é que acertou o encanamento. Até então, tinha a dupla profissão de encanador e músico. Com o tempo, tornou-se bastante popular para viver apenas da música. Principalmente quando resolveu cantar, desenvolvendo um estilo semelhante ao do padrinho Silvio Caldas.

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Músico da noite, sim, mas severo nos hábitos, costumava enquadrar a rapaziada que se soltava muito com a bebida. Tornou-se um orientador de todo jovem músico que o cercava. Ao mesmo tempo, formou uma família linda com a esposa Marilene, uma arquiteta judia branquíssima, que o acompanhava no pandeiro. Juntos, tiveram um casal de filhos lindos.

São Paulo tem grandes 7 cordas. Mas João sempre foi o 7 cordas com quem melhor me dava. Tinha um violão seguro, com a baixaria controlada, marcando o tempo sem se perder em firulas. E com enorme domínio das passagens das músicas.

Juntos navegamos pelos bares de São Paulo, vi seus filhos crescerem e ele acompanhou o crescimento das minhas quatro filhas. Tocamos em São Paulo, em Guaratinguetá, em Poços de Caldas, tocamos pelos bares de Sampa. Nos saraus de casa, era sempre o primeiro a aparecer, com uma pontualidade inigualável.

Lembro-me da noite mais emocionante que passamos juntos. Na missa de 7o dia do grande Paulo Vanzolini, os músicos correrem em grupo com seus instrumentos, para homenageá-lo. A família não permitiu.

Lá perto das 10 da noite, João chegou no Alemão, desenxavido com a homenagem que não foi prestada. Mas sacou seu violão e, juntos com os outros boêmios, homenagearam Vanzolini tocando seu repertório.

João Macacão acreditava em Bolsonaro. Por esse motivo, menosprezava os riscos da doença e passeava pelo bairro sem máscaras.

Aqui um sarau com João Macacão em 1989, ainda sem o João cantor.

Aqui, cantando uma de suas músicas favoritas, Perfil de São Paulo, de Bezerra de Menezes

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