A Democracia Faltou ao Encontro

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Por Lincon Secco em Revista Pub – 

Os golpes parlamentares, togados, midiáticos, cibernéticos, militares ou uma combinação de tudo isso foram acompanhados pela sempiterna obsessão neoliberal em restringir eleitorados “ignorantes” e seus governos populares.

Diante da inviabilidade eleitoral de candidatos do centro (comprometidos mais com política monetária e fiscal austera do que com distribuição de renda) boa parte das elites brasileiras apoiou um candidato que instaurou um governo familiar e oligárquico explícito.




Mesmo na República Velha não houve caso semelhante. Ela restringia o voto e a organização sindical e se reduziu a uma combinação de oligarquias regionais, controle policial e liberalismo evolucionista spenceriano. O Estado era só instrumento das elites regionais agroexportadoras, mas mediante um acordo que Campos Sales moldou: a política dos Governadores.

Pode-se dizer que, dessa vez, elegeu-se um governo pelo voto popular, diferentemente do passado. Mas isso só foi possível pela intervenção de autoridades não eleitas do judiciário e das Forças Armadas, sem contar o papel da mídia e dos interesses externos.

No centro político em que a esquerda e a direita “democráticas” costumavam se encontrar até 2013, acordava-se em se diferenciar do “chavismo”, fazer um mea-culpa sobre a corrupção, políticas sociais “compensatórias”, ensinar o pobre a pescar e, finalmente, aceitar a independência das instituições e a neutralidade delas.

Esqueceu-se que, na América Latina, não foi a Revolução, mas a Democracia que faltou ao encontro. O México pós revolucionário criou um regime de partido único e eleições fraudadas. A América Central, com a discutível exceção da Costa Rica (pós 1948), foi o protótipo das “democracias contra insurgentes ou de fachada”, onde a fronteira da legalidade nunca foi o regime democrático e sim a manutenção da Ordem [1]. A América do Sul oscilou entre a Democracia Racionada e a ditadura aberta. Toda a região viveu sob oligarquias, entendidas como aliança entre latifundiários, Igreja e imperialismo britânico e, depois, estadunidense.

As oligarquias eram por vezes temperadas por governos bonapartistas que adquiriam certa independência perante frações das classes dominantes, mas não do seu conjunto. Afinal, a autonomia era sobre frações de um classe desde que se realizasse o interesse geral daquela classe.

Intentavam-se reformas para introduzir o fator trabalho no rol de direitos mínimos. Enquanto o ciclo econômico permitia taxas de lucro elevadas, os governos apoiavam-se diretamente na burocracia de Estado.

Quando as concessões às classes trabalhadoras deixavam de ser úteis, fosse porque o ciclo recessivo exigia cortar direitos sociais para recuperar a taxa de lucro, fosse porque os sindicatos e partidos trabalhistas deixavam de parecer ameaçadores, reinventava-se a democracia oligárquica contra os excessos do “populismo” e da “ditadura”. E esse é um assunto antigo entre nós.

A novidade do atual governo oligárquico no Brasil é, entre outras, a sua falta de limites tão típica de nossas sociedades atuais. Nisso ele se revela enraizado num modo de vida. Mas ao mesmo tempo o governo não deixa de reproduzir antigas práticas. A obsessão pela Venezuela é justificada em nome da democracia.

Escrevendo sobre a Guerra do Paraguai ou “guerra da triple infâmia”, o historiador trotskista argentino Milcíades Peña foi taxativo [2] acerca da aliança entre o presidente da Argentina Mitre e o “Império de Opereta” e escravista brasileiro contra o ditador paraguaio Solano López: “mas entre o despotismo de López respaldado pela maioria da população e o liberalismo de Mitre apoiado nas baionetas do Exército de Linha contra a vontade da maioria das províncias, a causa do progresso nacional era defendida por López, não por Mitre”.

Qualquer semelhança com a Venezuela cerca de um século e meio depois será mera coincidência?

[1]Torres-Rivas, E. Revoluciones sin cambios revolucionarios. 2 ed. Guatemala: F&G, 2013, p. 385.

[2]Peña, M. Historia del Pueblo Argentino, Buenos Aires: Emecé, 2012, p. 231.

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