A divisão de classes até na morte

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Por Ademir Assunção, jornalista e poeta

Por motivos alheios a minha vontade, nos últimos 30 dias estive três vezes no cemitério São Luiz, em São Paulo.




Não se parece com um cemitério. Se parece com um lugar de desova.

Não há túmulos. São covas. Covas rasas.

Os mortos são enterrados literalmente a sete palmos do chão.

São literalmente enterrados e cobertos com terra.

O terreno é um morro, com declives gigantescos.

Na época de chuvas, certamente as águas levam a terra que cobre as covas.

Poucos dias depois do enterro, dependendo da época do ano, certamente não se consegue mais identificar onde o ente querido foi enterrado.

Não há lápides. Se quiser colocar uma lápide, identificando o local da cova, e dar uma “arrumadinha” na terra, é preciso pagar por fora.

Ainda assim, nada garante que uma enxurrada forte não leve a lápide embora.

Há milhares de covas sem identificação nenhuma.

Há milhares de lápides quebradas, ilegíveis, jogadas nos cantos.

Nas três vezes em que estive lá, não sabia se estava pisando sobre uma cova ou não.

Há covas de bebês cheias de lixo.

Na segunda vez em que lá estive, vi duas covas abertas, dois buracos no chão, esperando novos mortos.

Dentro de cada uma das covas havia um crânio humano.

Um em cada uma.

Não mostrarei as imagens, que tenho arquivadas no celular, para não chocar ninguém.

O cemitério São Luiz fica na zona sul de São Paulo.

Entre o Jardim Ângela e o Capão Redondo.

Dois dos bairros mais violentos da capital paulista.

Não muito distante do Centro Empresarial (conjunto de prédios comerciais com escritórios de bancos, empresas de tecnologia e de logística), das mansões do Morumbi e do Vibra São Paulo, onde são realizados shows de “artistas” nacionais e internacionais, como Zezé di Camargo, Abba e Pablo Vittar, com ingressos para os camarotes a R$ 200 + taxas. Tem também shows de João Bosco, Djavan e Alcione.

Ali, naquele lugar desolador, está escancarada a divisão de classes até mesmo na morte.

Não estou dizendo que um morto precisa ostentar. Não estou dizendo que um morto precisa ter um túmulo tríplex com escultura de Brecheret.

Mas um morto precisa ser sepultado com dignidade.

Difícil acreditar que uma sociedade que nega dignidade aos vivos e nega dignidade até aos mortos possa prosperar.

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