Sérgio, arquiteto urbanista, entre 2017 e 2019 trabalhou como motorista de aplicativo. No livro “Arquiteto & UBERnista”, o profissional transporta os leitores a um mundo de ambigüidades, coincidências, autoritarismo e, por que não?, humanismo.
O Bem Blogado leva você de Uber dirigido pelo arquiteto Sérgio AR Pereira, autor do livro “Arquiteto & UBERnista”. Nesta edição, passageiro militar, que viveu a época da ditadura, diz que só não torturou porque não recebeu ordens para isso.
Por Sérgio AR Pereira, arquiteto e urbanista que foi UBERnista
“Fico pensando no tratamento que nossa educação recebeu nos últimos 50 anos e acho preocupante pensar aonde “a gente poderemos” chegar assim.
Esse período de 50 anos engloba o do regime militar no Brasil e um dos meus primeiros passageiros em 2017 foi um senhor que logo se identificou como tenente reformado do Exército Brasileiro, com 84 anos, e que se sentia vingado e estava eufórico com a derrubada do poder daquela “terrorista safada, que deviam ter matado na prisão”.
Ele estava falando sobre e comemorando o impeachment da presidenta Dilma, com muita eloquência. Sua esposa, que o acompanhava, apenas aquiescia, balançando sua cabeça como uma figurante de novela ou de cinema, que concorda com tudo.
E durante os 16 minutos que ficou no meu carro manteve esse discurso “patriota” extremista, comemorando a posse de Michel Temer, e efusivamente comemorando o voto do deputado Jair … aquele mesmo, que homenageou o torturador. E dizia que “a tortura foi ‘pouca’ para ela, merecia mais”.
Perguntei-lhe se ele havia torturado alguém em sua época e me disse que não. Perguntei-lhe se torturaria alguém, se teria coragem, me disse que sim e que estaria ali para cumprir ordens.
Contou-me que esteve na guerrilha do Araguaia e que ele e seus parceiros se arrependeram de terem apenas levado à prisão os guerrilheiros, pois me disse que preferiam ter matado a todos.
Eu estava diante de um senhor que participou ativamente da história recente do Brasil, e isso é um acontecimento interessante, porém suas falas e seus posicionamentos contundentes apagavam qualquer possibilidade de brilho em suas passagens e vivências por essa história.
Pensei algumas vezes em pedir para que saísse do carro, mas como motorista iniciante não achei prudente me posicionar contraria mente às suas atrocidades vociferantes.
Porém, tomei coragem e lhe disse que não concordava com as ocorrências do regime militar, que sabia que o Brasil havia crescido economicamente à custa de altas dívidas, mas que, na minha opinião, o que os militares mais estragaram no país havia sido a educação, pois quando entrei no primeiro ano de escola pública em 1967, em Mogi das Cruzes (SP), o ensino público era de excelência, e quando me formei arquiteto em 1982, ainda na vigência de mando dos militares, o ensino público era uma sucata e os colégios particulares prosperavam em nossas cidades, com o conteúdo que co nhecemos, visando apenas ao lucro e às disputas por vestibulares.
Acabei de falar isso cronometradamente com a chegada ao des tino desse senhor que não teve como fazer sua réplica e saiu do carro visivelmente contrariado, com sua (infelizmente) submissa esposa.
Meu pai também foi militar, mas da Polícia Militar do Estado de São Paulo, e era da linha dura de apoio ao regime da ditadura. Em casa, meus irmãos mais velhos faziam uma brincadeira de que minha mãe e ele haviam se casado no Civil e no Militar. Esse casal que transportei parecia ter a mesma característica.
Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”
Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328
Valor do livro R$ 40,00
Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)
Valor total R$ 50,00