A escalada da violência estatal nos casos Valéria Santos e Paula Lopes

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Publicado em Jornal GGN – 

No Rio, Santos foi impedida de trabalhar e algemada em situação humilhante; em Alagoas, Lopes teve casa invadida sem mandado de segurança. Decisão do Supremo em livrar Bolsonaro fortalece a face autoritária do Estado 
Foto Divulgação
Jornal GGN – No Rio de Janeiro, a advogada Valéria Lúcia dos Santos teve seu livre exercício de trabalho cerceado por uma juíza leiga e terminou algemada e jogada a força no chão por Policiais Militares. O caso, que ocorreu na segunda-feira (11), levou a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio (OAB-RJ) a exigir na justiça a punição e afastamento dos PMs e da juíza auxiliar.
Valéria acusa a juíza de violação por impedir que a ela o acesso um processo sobre uma cobrança indevida envolvendo seu cliente, durante uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias. “A juíza negou, então saí da sala em busca de um delegado de prerrogativas da OAB-RJ. Quando voltei, ela comunicou que a audiência havia sido encerrada”, disse ao jornal O Dia. Em resposta à ação da juíza auxiliar, Valéria se manteve na sala, para chamar atenção do delegado sobre as violações que estavam acontecendo.
“É meu direito como advogada impugnar documentos”, argumentou. Mas ao invés de ter o direito respeitado a partir do acesso à documentação do processo, a juíza leiga deu ordem para Valéria ser retirada da sala, acatada por policiais que a algemaram e a jogaram no chão. Um vídeo foi gravado apresentando a situação humilhante da advogada onde ela diz que “só quer exercer o direito de trabalhar”. Em seguida, a advogada foi levada para o 59º DP de Caxias e liberada após atuação da OAB-RJ.
O caso está sendo analisado no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), onde a juíza se defendeu dizendo que chamou a polícia porque a advogada não acatou as orientações na sala de justiça, mas para o presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem, Luciano Bandeira, a atitude que resultou na prisão de Valéria foi “inconcebível”.
“Isso é algo que não ocorria nem na ditadura militar: uma advogada no exercício da profissão presa e algemada dentro de uma sala de audiência. É uma afronta ao Estado de Direito, à advocacia brasileira e ao direito de defesa”.
Já Valéria acredita que a ação da juíza tem raízes mais profundas do que o simples desacato às orientações de salas de audiência. “Sempre que falamos em racismo, dizem que é vitimismo. O que aconteceu naquela situação foi uma violação à minha dignidade como pessoa humana, não apenas como mulher negra”.
Em repúdio à violação de direitos e exposição da advogada Valéria Santos, o Comitê da América Latina e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, divulgou uma nota contra a violência estatal.
“Abordada por vários policiais Valéria Santos, não por casualidade uma mulher negra que ousou permanecer em um ‘lugar’ onde a sociedade racista e patriarcal não a reconhece como parte, foi jogada ao chão e algemada. No chão, algemada, sob os olhares dos policiais que a cercavam, a vítima somente conseguia repetir que só queria exercer “o direito de trabalhar””.
Caso Paula Lopes
A nota da CLADEM inclui outra violação estatal que ocorreu pouco antes, em 7 de setembro, contra a coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM/AL) e também advogada, Paula Lopes.
Sem qualquer comunicado oficial sobre busca e apreensão, Paula teve sua casa, localizada nas proximidades de Maceió-Alagoas, invadida durante o feriado prolongado, segundo vizinhos, por um grupo de Policiais Militares.
“Como mostram imagens, pós invasão, o local tornou-se um cenário de destruição, tendo sido vasculhado desde a lixeira até roupas das crianças. O quintal, onde havia uma plantação/experimento agroecológico com milho, macaxeira, bananeiras e quiabo, um parquinho das crianças com pneus pintados e uma criação de codornas foi completamente destruído”, expõe a nota do Comitê.
Ninguém da família estava em casa enquanto a polícia prosseguia com a busca de algo que não se sabe o quê, sem qualquer mandato judicial, mas que ocorreu a luz do dia e resultou também na escavação de vários pontos do jardim da casa. “A porta da gaiola das codornas foi aberta, e elas comidas por predadores. Até mesmo uma fossa ecológica foi escavada, tendo o cano quebrado”, completa a CLADEM, exigindo ações concretas para responsabilizar os autores das violações de diretos contra as advogadas Paula Lopes e Valéria Santos.
“Lamentamos e repudiamos profundamente ambas as ações estatais que, somadas, a um só golpe, tornaram ainda mais cambaleantes o Estado Democrático de Direito brasileiro. Um Estado que, mais uma vez, demonstra sob a câmera sua face racista, autoritária e, por suposto, violenta contra mulheres negras, trabalhadoras, defensoras de direitos humanos”.
De fato está cada vez mais perceptível uma escalada da violência institucional do Estado brasileiro, se antes ficava mais restrita a população de baixa renda e nas periferias, longe dos olhares dos principais meios de comunicação, agora parece não haver mais tanto pudor na apresentação de face autoritária do sistema.
Nesta terça-feira (11), por 3 votos a 2, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou uma denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra o deputado e candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL), por crime de racismo.
Durante uma palestra que deu no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, ano passado, Bolsonaro criticou a população de quilombos usando frases comparando as famílias locais com animais criados para o abate.
“Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, disse Bolsonaro, em seguida afirmando que quilombolas “não fazem nada”, “nem para procriar eles servem mais”.
Quilombos são comunidades localizadas no interior de várias cidades do país e que foram o foco da resistência contra a escravidão no Brasil, formada originalmente por homens e mulheres que fugiram no período da escravidão. Atualmente, os descendentes dessas comunidades, junto com outros movimentos sociais camponeses, se articulam pelo direito de territórios.
Para a PRG, o discurso de Bolsonaro incita o ódio, ferindo o artigo 20 da Lei do Crime Racial, mas os ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Alexandre de Moraes, que rejeitaram a denúncia contra o candidato pelo PSL, não enxergaram desta forma, considerando que as falas foram ditas num contexto de crítica política, não enxergando qualquer atitude racista.
Bolsonaro responde a outra ação penal que tramita no Supremo, sob a acusação de crime de estupro quando disse, em uma sessão na Câmara em 2014, à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que só não a estupraria porque não merecia.
Veja a seguir a nota da CLADEM/Brasil

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