Por Marco Aurélio Vasconcellos, cantor, compositor, poeta e cronista.
O sonho obsessivo do menino louro de cabelos encaracolados era possuir uma corneta escarlate. Tal como a que vira num velho almanaque trazido da cidade pelo pai.
Os dias longos e iguais iam passando naqueles confins e nada de tornar-se realidade o seu desejo. Também, pudera…! Os ganhos do pai eram poucos e quase ninguém passava diante daquele casebre próximo a uma estrada, comprida e reta, de terra vermelha.
De tanto sonhar com a corneta, o menino, um dia, deu-se conta de que ela estava ali, quase ao seu lado. Imensa.
Sentado numa pedra, percebeu que a longa estrada era a almejada corneta, cujo bocal ficava lá no horizonte. Deu um pulo de alegria. Para conseguir tocá-la, tinha de chegar até onde o céu encontrava a pontinha fina do instrumento.
E para lá se dirigiu, assobiando. Enquanto caminhava os olhos fixos no bocal distante foram-se juntando ao assobio os trinados da passarada na mataria e o fragor das águas de uma cachoeira próxima.
E, quando o sol foi sumindo, o coaxar das rãs e o cricrilar dos grilos incorporaram-se àquela sinfonia de sons. Mas o sono e o cansaço interromperam a caminhada.
Aí o menino percebeu que o assobio era o próprio som da corneta. Não precisaria soprar no bocal. Sentou-se, então, embaixo de uma árvore, adormeceu e, num colorido sonho, viu-se como solista de uma grande orquestra.