Por Nathalí Macedo, publicado em DCM –
Eu não conhecia Júlio Cocielo – e você provavelmente também não -, mas mais de sete milhões de pessoas conhecem. A maioria crianças, adolescentes e jovens adultos.
O YouTuber foi acusado de racismo depois de escrever em seu Twitter que Kylian Mbappé, jogador da França, “faria uns arrastão TOP na praia.” Depois pediu desculpas com a velha e desonesta ressalva: “Eu não sou racista, vocês que interpretaram errado.”
Quando o bicho pega, o caminho mais rápido pra limpar sua barra é colocar a culpa na interpretação de quem foi ofendido.
Ele disse que não se referia à cor da pele do jogador, e sim à velocidade dele (senta lá, Cláudia), e, pasmem, houve pessoas defendendo essa versão e dizendo que o racismo não está no comentário de Cocielo, mas na interpretação dos internautas – o racismo está nos olhos de quem vê – senta lá, Cláudia, parte II.
Se você tem que explicar uma piada, bem, talvez você não seja bom em piadas. Se você tem que explicar uma piada no intuito de provar aos outros que ela não é racista, muito provavelmente ela é racista.
Não colou: a CSI da internet foi buscar outros tuítes do YouTuber: mais absurdos racistas como “já que não podemos fazer piadas com negros, a solução é exterminar os negros.”
Provavelmente havia coisas mais tenebrosas no passado comprometedor do YouTuber nas redes que os internautas não tiveram tempo de desenterrar, porque ele apagou mais de cinquenta mil – você leu CINQUENTA MIL – tuítes antigos pra não ser pego no pulo outra vez.
E tem gente que continua defendendo, inclusive publicamente. O esforço de algumas pessoas para relativizarem atitudes racistas como a de Cocielo só comprova o óbvio: o Brasil ainda é um país racista e escravocrata.
Isso não é novidade pra ninguém, mas o caso de fato trouxe uma surpresa: YouTubers podem ser unidos, acreditem. Eles se digladiam pela audiência do seu filho de dez anos, mas se unem no laço invisível do racismo toda vez que um amiguinho é flagrado sendo escroto publicamente.
YouTubers como Felipe Castanhari e Muca Muriçoca comentaram o tuíte de Cocielo relativizando a postura do racista, oferecendo apoio ao racista e chamando atenção para o fato de que o racista tem um grande coração (racista).
Não adianta dizer “eu não sei nem quem são esses caras, isso não é problema meu”, porque o fato de você não consumir YouTubers não muda nada no fato de eles serem influenciadores digitais e formadores de opinião da nossa juventude. Você não sabe quem são, mais milhões de pessoas sabem. Pessoas que já votarão nas eleições deste ano – provavelmente em Jair Bolsonaro. Todas as crianças e adolescentes brasileiros são problema nosso, por isso YouTubers também são um problema nosso.
Os únicos que assisto na vida, Jout Jout e PC Siqueira – quando ele chegou na internet, dizem, era tudo mato – não comentaram em apoio ao colega, mas também não se pronunciaram contra a postura dele.
E por que deveriam?, você perguntará. Porque todas as crianças e adolescentes brasileiros são problema nosso, e a perpetuação do racismo entre eles também é um problema nosso, e porque todo influenciador digital deveria, no mínimo, usar sua influência para desestimular comportamentos racistas, e não o contrário. PC Siqueira, por exemplo, já fez diversos trabalhos com Cocielo, e agora finge demência pra não precisar queimar ainda mais o filme do coleguinha.
Desapontada, mas não surpresa.
Na minha infância – e na sua, leitor, muito provavelmente – as informações não brotavam a todo momento em sites e redes sociais. Não precisávamos de ninguém para formar nossa opinião sobre as coisas – e também não precisávamos ter opinião sobre as coisas, porque éramos apenas crianças.
O mal deste século é que a opinião de crianças, adolescentes e jovens adultos está sendo formada por gente como Cocielo, Felipe Neto, Felipe Castanhari e Whinderson Nunes – que, por sua vez, estão preocupados apenas em enriquecerem às custas de publicidade infantil criminosa e ganharem likes e seguidores falando as coisas mais absurdas que você possa imaginar em frente a uma câmera.
Se você relativiza comportamento racista – de YouTuber ou de quem quer que seja -, você é parte do problema. Se você não se pronuncia sobre esse tipo de comportamento porque falar sobre YouTubers não é intelectualóide o suficiente, você é parte do problema. Se você não observa que tipo de conteúdo seu filho consome nas redes, ele será parte do problema.
Em um país pós-escravocrata, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista.