Por Valentim Frateschi* –
Estava no ônibus voltando para casa lá para as quatro e pouco da tarde, quando subiram duas meninas. Se abraçavam, enquanto conversavam contra outra pessoa. Ficaram um tempinho abraçadas, até que um bando de caras do lado de fora do ônibus grita: “Suas lésbicas de m*rda” e outras coisas do gênero. Pensei que os xingamentos seriam um choque muito grande para um monte de gente. Mas, não. Só eu e elas nos assustamos. Quando o farol abriu, elas se beijaramm e começou o “zum zum zum”. Agora sim todo mundo se espanta, fofoquinha para lá, comentário para cá e eu rindo.
Comemorava e sorria discretamente, mas com uma felicidade de criança e um fundo de deboche. Não estava debochando delas, lógico, mas de quem se espantava. Coitados deles que não quiseram ou não tiveram a oportunidade de pensar que aquilo é normal, natural. Antes de serem duas meninas, são duas pessoas que se amam ou se gostam, sei lá.
Elas continuavam bem próximas uma da outra e quando viram minha expressão simples, porém que dizia muito, sorriram de volta. Passaram-se uns cinco minutos até todos voltarem aos seus mundos particulares . Mas dois homens, que até então eu não havia reparado que estavam lá, começaram a olhar para elas, fixamente, da cabeça aos pés. Um era jovem, magrelo, alto, com cara de sono e o outro era baixinho, meio gordinho e estava vestindo uma blusa social e gravata. As meninas estavam de costas para eles e eu acho que não viram nada.
Se alguém estivesse me observando perceberia que o meu olhar tinha um ciclo: Homem gordinho, meninas e homem com sono. Isso sem parar, repetindo, repetindo, nada mais chamava a minha atenção além dos olhares fixos dos dois e as meninas com os olhares perdidos, afogados em felicidade.
Então, as duas começam a me olhar e perceberam que tinha alguma coisa errada. Quando elas olham para trás, o homenzinho de blusa social olhou bem nos olhos delas e é perceptível o espanto das três pessoas. Elas cochicharam, foram em direção ao fundo do ônibus e o cara foi atrás, obcecado. Eu fiquei com medo de acontecer algo desagradável, violento. Até que uma mulher muito forte que, pelo jeito, já tinha reparado a situação, se pôs na frente do homem sem deixar ele passar. Sorri, aliviado. Elas desceram e o cara ficou lá, fingindo que nada aconteceu.
Moral da história: Ainda há muita gente estúpida nesse mundo, mas gente solidária com os agredidos também.
Valentim Frateschi tem 12 anos e já percebe que o preconceito não paga passagem.