Por ana Luíza Nardin, compartilhado de Ultrajano –
Com a Reforma Trabalhista do governo Temer, organização dos turnos e escalas de expediente passaram a ser adaptadas de acordo com os interesses do empresário, os grandes beneficiados pela falta de legislação mais justa em relação aos direitos de seus funcionários. Nesse novo cenário, é possível visualizar a precarização do trabalho, a diminuição dos salários e a ausência de proteção social, que se agravou com a não obrigatoriedade da presença do sindicato dos trabalhadores
Caros leitores, vocês já se perguntaram como é a jornada de trabalho dos funcionários de restaurantes, cafeterias e bares que costumam frequentar pós-reforma trabalhista? Já pensaram sobre a maneira como são tratados os garçons, auxiliares de cozinha, cozinheiros, bartenders, faxineiras, seguranças e entregadores no seu dia a dia? E sobre o salário desses trabalhadores? Será que eles têm sobrevivido a este terrível contexto de pandemia? Em outras palavras, quantos de nós fazemos uma verdadeira reflexão sobre a condição de trabalho dos inúmeros funcionários presentes em nossa sociedade, que passam parcela significativa dos seus dias a nossa disposição?
Para compreender um pouco tais questões, é necessário destacar que, historicamente, Marx observou que a divisão capitalista do trabalho exige disciplina e subserviência. Na fábrica, por exemplo, o patrão é o legislador absoluto e existe um código disciplinar que estabelece o que o operário deve fazer ou não. Naquele cenário industrial, as punições para aqueles que desrespeitassem as normas impostas passaram a ser sentidas e baseadas em descontos de salário. Segundo Foucault, um dos instrumentos dessa disciplina, ao lado da vigilância, é a sanção normalizadora, que tinha como objetivo garantir a hierarquia e o lucro dos patrões, pois essa disciplina funcionava como uma técnica que fabricava indivíduos úteis ou indivíduos-máquinas.
No lugar do chicote do feitor de escravos do passado, surge então o manual de punições do supervisor fabril. Lamentavelmente, muitas dessas características de outros tempos se solidificaram, se camuflaram e se perpetuaram nos dias atuais, inclusive em forma de lei, sendo que a classe que vende sua mão de obra e serviços é aquela que parece sofrer mais dessa violência e opressão.
Além disso, esses tipos de trabalho são alvos recorrentes de discriminação, uma vez que são categorizados socialmente como de menor valor. É o caso das profissões que envolvem maior esforço físico para sua realização, cujos ocupantes são reconhecidos como trabalhadores braçais, que vendem sua força de trabalho. No entanto, é preciso pontuar que a diversidade de profissões e funções compõe a vida em coletividade e é responsável pelo desenvolvimento social, isto é, todas as profissões são importantes e têm sua valia para qualquer tipo de sistema.
Diante dessa temática do trabalho, é crucial conhecer e dar lugar de fala para aqueles que vivenciam ou já vivenciaram algumas dessas funções, a fim de nos aprofundarmos um pouco mais sobre essa realidade, que é complexa e plural. Desse modo, cabe a mim contar aqui um pouco sobre a experiência que tenho como garçonete, ofício que sempre foi visto por mim como forma de complementar minha renda e ajudar a conquistar a minha carreira acadêmica. Vejam, até os dias de hoje sigo trabalhando em bares e optei por trabalhar à noite numa jornada de seis a oito horas diárias, pois durante o dia me dedico aos estudos. No entanto, sei que muitos de meus colegas chegam a dobrar o turno, uma vez que a maioria não vê o trabalho como segunda opção, mas sim como a única que têm.
Uma parcela significativa deles está na faixa etária dos 18 aos 30 anos e, apesar da pouca idade, muitos relatam que já desenvolveram algum tipo de problema de saúde, como na coluna, bursite, tendinite, estresse elevado e alcoolismo, além da baixa autoestima e do sofrimento de desrespeito e de humilhação que presenciam dentro e fora de seus ambientes de trabalho.
Diante desse contexto pouco favorável, esses trabalhadores foram ainda atingidos severamente pela Reforma Trabalhista. Dessa forma, passa a ser fundamental esclarecer que tal reforma, sancionada em julho de 2017 pelo governo Michel Temer, alterou drasticamente mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), modificando aspectos significativos da regulamentação do salário e da jornada de trabalho. Com a reforma, organização dos turnos e escalas de expediente passaram a ser adaptadas de acordo com os interesses do empresário, os grandes beneficiados pela falta de legislação mais justa em relação aos direitos de seus funcionários. Nesse novo cenário, é possível visualizar a precarização do trabalho, a diminuição dos salários e a ausência de proteção social, que se agravou com a não obrigatoriedade da presença do sindicato dos trabalhadores.
Em relação às pessoas que trabalham em restaurantes, por exemplo, notei que o salário dessa categoria piorou muito depois da reforma trabalhista, visto que muitos dos funcionários são horistas e dependem majoritariamente dos 10%, que muitas vezes não são repassados de maneira clara pelos estabelecimentos comerciais. Intragavelmente, vejo que muitos colegas tornaram perene a exploração do trabalho, conformando-se com a sua condição como se fosse algo irreversível ou ainda da ordem natural das coisas. Para eles, existe uma divisão clara entre patrões e empregados como espaços distintos, compostos por aqueles que servem e os que são servidos, os que comem e os que olham.
Tristemente, com a pandemia do Coronavírus, a situação tornou-se ainda mais alarmante, já que pesquisas revelam que aqui no Brasil aproximadamente 600 mil pessoas foram demitidas de bares e restaurantes e muitos se viram socialmente desamparados. Além disso, com a recente reabertura comercial, esse quadro parece estar mais caótico, pois esses trabalhadores são a linha de frente do contato social.
Por fim, esse artigo expressa minha indignação com a reforma trabalhista, imposta e aprovada rapidamente de modo majoritariamente irresponsável e injusto, pontuando também o meu incômodo com certos empresários donos de bares, restaurantes e cafeterias, que insistem em não enxergar seus funcionários, tratando-os como meras mercadorias de fácil substituição. Diante disso, me pergunto até quando vamos nos cegar frente a tamanha exploração?