A falácia da constante crise

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O governo Lula 3, malgrado todas as dificuldades que encontra, tem um saldo positivo, concretizado tanto nos dados da economia como na diminuição da miséria

Por Céli Pinto (*), compartilhado de Sul 21




Foto; Ricardo Stuckert / PR

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Se nos detivermos nas notícias que circulam em jornais, em canais de TV abertos e fechados, em podcasts, mesmo os mais progressistas, e na miscelânia das redes socais, chegaremos à conclusão de que o governo Lula 3 pode ser definido como um conjunto sucessivo de crises. Parece-me, entretanto que esta percepção é, no mínimo, equivocada, quando não deliberadamente construída numa espécie de narrativa do caos, muito ao gosto de setores da mídia que, sem quererem ser identificados como de direita ou de extrema-direita, sentem-se confortáveis ao tentarem identificar constantemente as crises no governo. 

Certamente o leitor e a leitora já ouviram falar na crise do ajuste fiscal, na crise do projeto de reforma tributária, na crise da comunicação, na crise do pix, na crise na base aliada. Nas últimas semanas, a crise de ocasião é a dos descontos ilegais nos contracheques de aposentados do INSS e até apareceu uma crise-Janja de surpresa. 

Os eventos listados são de variadas naturezas. Se analisados, revelarão as muitas dificuldades que o governo tem para levar avante seu projeto, mesmo que tímido. Certamente encontraremos interesses poderosos que se opõem aos projetos do governo e que agem contra eles através da chamada base aliada. Com 38 ministérios, também haverá mal feitos, sem dúvida. O governo seria ingênuo se pensasse que, ao fatiar o poder entre adversários de ontem, controlaria o primeiro, o segundo e terceiro escalão dentro dos ministérios, povoados por sabe-se lá que interesses.  

O governo Lula 3, malgrado todas as dificuldades que encontra, tem um saldo positivo, concretizado tanto nos dados da economia como na diminuição da miséria e no índice de emprego. Mesmo assim, os formadores de opinião de toda ordem veem o governo como uma sucessão de crises e as pesquisas de opinião o colocam cada vez mais contra a parede, apoiados nos baixos índices de popularidade do presidente da República.

Então, onde mora o problema?  Não abraçarei a postura simplista de dizer que o governo Lula 3 é o melhor dos mundos e tudo que é chamado de crise não passa de uma grande conspiração da mídia. Também não cairei na tentação de identificar a dificuldade de comunicação do governo para fazer chegar ao povo suas realizações como o grande problema.

O governo tem dado respostas bastante razoáveis para os gargalos que tem precisado enfrentar, desde em aprovar grandes projetos no Congresso Nacional até resolver o descalabro que é a presença do crime organizado que rouba aposentadorias dos aposentados com um salário mínimo. A grande dificuldade parece estar na escolha do espaço que buscou ocupar na luta política e que quase define o governo como natural perdedor.

Visualizando o cenário político da última década e os resultados eleitorais de 2022, encontramos um país com uma sociedade mais conservadora do que nunca, pois quase 50% dela votou no incumbente que tinha nas costas a pior administração pública que o país experimentou na sua história republicana, incluindo seus períodos ditatoriais. Além disto, elegeu para a Câmara dos Deputados uma vasta maioria de políticos de direita, quando não claramente fascistas.  O Lula vencedor tinha duas possibilidades estratégicas para governar: enfrentar a direita com uma proposta de progressista, moderna, desarticulando o discurso demagógico reacionário para reconquistar os eleitores perdidos, ou trazer para dentro do governo parte da direita, franqueando-lhes ministérios, agências governamentais e vastos espaços no segundo e terceiro escalão. Lula, um político historicamente moderado, quando não centrista, escolheu a segunda opção. 

Dirá a leitora e o leitor que ele não tinha opção. Peço licença para discordar. Não tenho como garantir que a primeira opção daria certo, mas a segunda não tinha como dar certo por sua própria natureza. O governo Lula 3 não consegue sair das cordas porque não soube reconquistar seus eleitores e a direita, dentro do seu governo, sabe disto. Sabe tão bem que se prepara de mala e cuia para a debandada, para se juntar aos parceiros de sempre. Enquanto isto, os arautos do caos vomitam crises atrás de crises por qualquer razão, seja por interesse de empresas jornalísticas ou para se jactarem de serem a consciência crítica da aldeia em podcasts pseudoprogressistas. 

Há indicativos que o governo começa a entender a importância de construir uma posicionalidade mais à esquerda para defender seu projeto. A presença de Gleisi Hoffmann como Ministra Chefe da Secretaria de Relações Institucionais e a aproximação com Guilherme Boulos para assumir a Secretaria geral da Presidência da República são sinais importantes de uma nova postura do governo Lula 3. Tomara que não seja tarde demais. 

(*) Cientista política, Professora Emérita da UFRGS.

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