A falta da palavra que designa a mãe que perdeu o filho para a morte

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Por Inácio França, Facebook – 

Em meio às despedidas, ao final da missa de sétimo dia, a mãe do rapaz nos deu uma informação sobre um tema que jamais tinha entrado no rol das minhas preocupações diárias:

– Você sabia que, na língua portuguesa, não existe nenhuma palavra para definir uma mãe que perdeu o filho? Nenhuma. Se o filho perde a mãe, ele é órfão. Se a mulher perde o marido, ela é viúva. Mas para a mãe que perde o filho, nada, nenhuma palavra.




Respondi com um patético “nunca tinha pensado nisso”, que soou ainda mais patético. Afinal, o que pensei ou deixei de pensar não interessava nem um pouco, não naquela hora, não naquele lugar, não naquelas circunstâncias. Além do mais, não havia sido uma pergunta. Na missa de sétimo dia de um jovem que se mata, nem sempre a interrogação indica uma pergunta, mas sim uma enfática declaração.

Em seguida, veio o apelo:

– Você bem que poderia escrever uma crônica sobre a falta dessa palavra.

“Logo eu, que não sou cronista”. Pensei, mas calei. E, se fosse, não estaria à altura de dar conta de tamanho sofrimento.

A crônica não me veio. Duvido que virá.

O que me ocorreu é uma pretensa resposta para a mãe do garoto que se jogou do 14º andar (qualquer pessoa com metade de minha idade é garota ou garoto): na língua portuguesa não cabe tamanha dor. Duvido que caiba em outro idioma.

Não sei muito de como termos ou expressões surgem em um idioma para designar algo que não se vê, que não se toca. Li um quase nada sobre isso. Sei que chama-se etimologia o processo de formação de uma palavra, o que não me ajuda em nada. Deduzo, porém, que uma das maneiras é quando um fato ou situação passe a ser “normal” para um povo. Aí, alguém dá nome a isso. Mesmo assim, vai depender se o nome pega ou não pega. Se pegar, nasce a palavra.

Se, até hoje, não há nada que designe a mulher-que-perdeu-o-filho-para-a-morte, talvez seja porque isso seja algo tão absurdo, tão pouco comum, há tanto sofrimento isso que em nenhum luar onde se fala português, surgiu tal palavra. Dói só de imaginar, quanto mais falar.

Tal qual minha crônica que jamais será escrita, espero que essa palavra jamais seja inventada.

E que minha amiga continue sendo mais, muito mais, do que uma mulher cujo filho a deixou.

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