Por Lucia Helena Issa, publicado em Jornal GGN –
Relato aqui um pouco do que descobri, como jornalista, mãe e mulher, vivendo no Rio há quase 6 anos, no Recreio dos Bandeirantes, um bairro da zona oeste onde estão as praias mais bonitas da cidade
As fotos de Jair Bolsonaro com os milicianos presos hoje pelo assassinato de Marielle Franco chocaram uma parte do Brasil.
Uma parte que, mesmo diante de todas as evidências e das atrocidades defendidas por Bolsonaro, mesmo diante da defesa feita por ele dos grupos de extermínio de adolescentes na Bahia, da defesa de um canalha torturador como Ustra, da defesa do ditador paraguaio pedófilo, da defesa do modus operandi das milícias mais violentas do Rio, ainda não acreditava que os Bolsonaro tivessem ligações com milicianos.
Não sabemos ainda quem foi o mandante do assassinato de Marielle, mas a ligação da família Bolsonaro com milicianos aqui no Rio tem que ser seriamente investigada!
Morar no mesmo condomínio que o miliciano que executou Marielle faz de alguém um miliciano ?
É claro que não.
Há milicianos morando em quase todos os condomínios da Barra e também nos condomínios do lindo Recreio dos Bandeirantes, onde eu moro há 6 anos.
Mas e quanto a homenagear milicianos na ALERJ como fez F. Bolsonaro, ou defender as milícias criminosas durante uma entrevista para a Jovem Pan como fez Jair Bolsonaro em setembro de 2018?
E quanto a celebrar a morte de adolescentes assassinados por milicianos como fez Bolsonaro quando era parlamentar ?
E quanto a pedir que grupos de extermínio da Bahia viessem atuar no Rio de Janeiro como fez Bolsonaro quando parlamentar?
E quanto a adotar um silêncio sepulcral quando a morte de uma vereadora negra, humanista e ativista como Marielle causou uma comoção mundial e jornalistas do mundo todo criticaram o estranho silêncio de Bolsonaro?
Relato aqui um pouco do que descobri, como jornalista, mãe e mulher, vivendo no Rio há quase 6 anos, no Recreio dos Bandeirantes, um bairro da zona oeste onde estão as praias mais bonitas da cidade, a poucos minutos dos estúdios de produção da Globo, onde moram centenas de atores e escritores em busca de um cenário inspirador, mas onde também vivem, em condomínios como o meu, centenas de milicianos, ex-militares do exército e da PM que enriqueceram rapidamente unindo-se aos milicianos de Rio das Pedras.
1) Assim que me mudei para cá, para um bonito condomínio de casas, senti um alívio imenso, como jornalista, mulher e mãe, por descobrir que os assaltos a condomínios ou mesmo nas ruas eram muito raros e que aqui reinava a paz!
Poucos meses depois , descobri que o que havia nessa região, não era exatamente paz, mas uma “paz” artificial para nós, que vivemos em verdejantes e seguros condomínios, e muito medo para os pobres, para mulheres, jovens e crianças que não tiveram as mesmas chances que eu tive, e que vivem em comunidades muito carentes perto daqui .
O medo é imposto pelas milícias da região, que exercem o pleno domínio do território nas comunidades (não nos condomínios, claro), que torturam, estupram, matam, impõem o toque de recolher aos mais pobres, obrigam aquelas pessoas a comprarem seus serviços e praticam extorsões contra pequenos comerciantes dessas comunidades.
Umas das primeiras funcionárias que tive aqui em casa, uma senhora de quem eu gostava muito, teve seu filho assassinado por ter denunciado os milicianos que tentaram extorqui- lo quando decidiu abrir uma pequena loja de galões de água mineral. Ela também teve uma das sobrinhas estupradas por um ex capitão da PM.
2) Por ser autora de um livro-reportagem sobre a máfia italiana Cosa Nostra, seus assassinatos, crueldades históricas e extorsões (o livro “Quando amanhece na Sicília… ” , premiado recentemente), comecei a conversar com moradores de comunidades da região e a constatar as imensas semelhanças entre a Cosa Nostra e as milícias do Rio, inclusive nas extorsões aos mais pobres, nos seus tentáculos e em sua ligação com políticos poderosos.
3) Uma das primeiras coisas que ficaram claras para mim, morando no Recreio, foi a ligação umbilical existente entre a família Bolsonaro e as milícias do Rio.
Flávio Bolsonaro chegou a homenagear, quando era um deputado estadual da ALERJ, dois dos principais milicianos da região, ligados aos suspeitos do assassinato de Marielle.
4) Em 2011 , quando a juíza Patrícia Accioly , foi assassinada por milicianos, a família Bolsonaro foi ao Twitter para difamar a juíza, desrespeitando até mesmo a dor dos familiares!
5) Quando a juíza Daniella Barbosa foi agredida por milicianos aqui no Rio, Flávio Bolsonaro foi às redes sociais para defender os agressores!
6) Bolsonaro também foi o único deputado estadual do Rio a ser contra a entrega da Medalha Tiradentes a Mariellle Franco.
7) Raul Jungmann sabia da ligação de Bolsonaro com a milícia quando disse que havia políticos poderosos envolvidos com os milicianos pouco antes das eleições de 2018?
8) O filho mais novo de Bolsonaro namorava a filha de Lessa, o miliciano preso hoje pelo assassinato? E por que Ronnie Lessa, o vizinho e amigo de Bolsonaro, teria 117 fuzis escondidos na casa de um amigo? Sim, 117.
9) O clã Bolsonaro só começou a tentar esconder sua ligação com os milicianos recentemente. Antes disso, Flávio e Jair defenderam diversas vezes a atuação desses grupos de extermínio da zona oeste, de pessoas que matam, extorquem comerciantes, torturam e estupram meninas das comunidades em que atuam.
10) Flávio Bolsonaro já propôs inclusive a legalização desses grupos. No início de seu segundo mandato na Assembléia Legislativa do Rio, em 2007, ele votou contra a instalação da CPI das milícias. E a própria instalação dessa CPI só foi cogitada depois que milicianos torturaram por horas a equipe de jornalistas do jornal O Dia!!
11) Raul Jungmann, o ex ministro, deve explicações à sociedade sobre o que já se sabia sobre a ligação entre a família Bolsonaro e os milicianos nas eleições de 2018 .
12) Uma imensa parcela dos brasileiros hoje clama pela verdade e pede que se investigue a ligação de Bolsonaro com os milicianos presos pelo assassinato de Marielle Franco, uma mulher que, como eu, lutou para dar voz aos direitos humanos em um Brasil dominado pela barbárie.