É uma irônica coincidência que A Fantástica Fábrica de Golpes, de Victor Fraga e Valnei Nunes, estreie poucos dias após a entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva ao Jornal Nacional, na última quinta-feira (25). Na bancada do programa, o apresentador William Bonner disse em alto e bom tom para o presidenciável: “O senhor não deve nada à Justiça”. “Quem te viu, quem te vê”, diria Chico Buarque, que, aliás, está no documentário produzido pelos jornalistas radicados em Londres. Em 1 hora e 45 minutos, o filme faz um voo panorâmico sobre como os meios de comunicação influenciaram e continuando influenciando golpes de Estado no Brasil. A Globo é o grande protagonista.
Por Eduardo Nunomura, compartilhado de Farofafá
O documentário A Fantástica Fábrica de Golpes estreou em dezembro no Festival de Cinema de Havana, Cuba, e será exibido a partir de 1º de setembro nos cinemas brasileiros. Posicionada, a obra não esconde seu desapreço ao papel histórico das Organizações Globo na participação de inúmeras tramas para a derrubada de governantes. Isso vem desde 1925, quando Irineu Marinho funda o jornal O Globo, e avança até tempos recentes, como no golpe de Dilma Rousseff, em 2016. É a ex-presidenta que, didaticamente, explica que agora se “substitui as armas físicas pela lei, que se torna o revólver, um instrumento mortífero” para dar golpes de Estado, no que é conhecida como a prática do “lawfare” (ou “guerra jurídica”, em português).
Não é difícil escalar políticos, jornalistas e personalidades para falar mal da Globo, mas a opção dos diretores não foi buscar representantes do campo da direita. Perfilam durante o doc nomes como Benedita da Silva, Chico Buarque, Glenn Greenwald, Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, Breno Altmann, do Ópera Mundi, Altamiro Borges, do Barão de Itararé, Celso Amorim, Jean Wyllys, entre outros. Todos se sentem confortáveis em expressar suas opiniões de que o golpe é atávico na política brasileira.
Didático, A Fantástica Fábrica de Golpes joga peso na influência das mídias na confecção das deposições de presidentes no Brasil. E isso se dá, na acepção dos documentaristas, por não haver uma compreensão adequada por parte da população dos efeitos e das responsabilidades que os veículos de comunicação exercem sobre a opinião pública. Um exemplo é a pesquisa citada da Fundação Perseu Abramo, que mostra que 60% da população acha que as emissoras de TV são de propriedade de empresas privadas, enquanto apenas 30% sabem que se trata de concessões públicas, mas geridas por companhias. “Tem algumas coisas que para mim são muito claras. A primeira coisa seria obrigar a TV Globo a ser esquartejada. Esquartejada no bom sentido, a ser dividida. Ela não pode controlar revista, jornal, uma televisão, uma emissora de rádio, um agência de notícias, tudo sob controle de um único proprietário”, afirma o jornalista Ricardo Melo.
Uma das referências de A Fantástica Fábrica de Golpes é o também documentário britânico Muito Além do Cidadão Kane (1993), que se tornou uma febre quando do seu lançamento por escancarar como a Globo colaborou com a ditadura e, por causa disso, se tornou um império da comunicação. Neste documentário de 2021, Victor Fraga e Valnei Nunes entrevistam o produtor John Ellis, que trabalhou na obra referencial.
Ao recuperar imagens do antigo documentário, vê-se um jovial Lula criticando a Globo, afirmando que a emissora “só mentia a respeito das greves, ela não dava informação correta, não dava o número de participantes, sobre as nossas demandas, ela só informava sobre os interesses dos patrões”. Avançando na fita, chega-se a 2022, quando a TV Globo faz referência à inocência do presidenciável petista e a pergunta que não quer se calar é: será que os atuais interesses dos patrões é pela derrota de Bolsonaro?