Por Fernando Brito, Tijolaço –
Não vou tirar “onda” de “jornalismo investigativo”.
Até ontem, os resultados incongruentes do Datafolha, a mim e em muitos, provocavam estranhamento, mas não tínhamos de onde puxar o fio.
Quem “peitou” mesmo os resultados da pesquisa foram o Glenn Greenwald e o Erick Dau, que publicaram, sem meias palavras, que a pesquisa Datafolha estava sendo usada de forma fraudulenta.
E quando um jornalista lê algo corajoso assim deve – ou deveria – ficar com todas as antenas ligadas.
Foi o que aconteceu hoje, quando um amigo enviou-me o link dos questionários do Datafolha, enfim publicados no site do instituto.
Aparentemente, nenhuma novidade, números iguais.
Mas havia a frase perdida: 60% são favoráveis a nova eleição.
E o nome do arquivo, que terminava com um ‘V2.PDF’.
Lógico, segunda versão.
Então, conversando com um colega que havia acessado, mas não percebera a frase solta, a curiosidade, que matou o gato mas salvou o repórter, fez experimentar: V1.PDF; V0.pdf e só vo nome, sem versão.
E pronto, apareceram os parágrafos eliminados, as perguntas abduzidas, as tabelas sonegadas.
Perdoem-me os mais jovens, por terem de ir ao Google descobrir o que isso , não houve nada de Dick Tracy na história.
Sorte, um pouco de palpite e, sim, mais ainda de “estar ligado” e ainda mais de não aceitar o que não faz sentido.
Quando se denunciou aqui a extensão do vazamento do poço da Chevron, na Bacia de Campos, também foi assim: nenhuma “inside information”, apenas o estranhamento da explicação da multinacional de que havia ocorrido uma “exsudação natural” de petróleo. Daí em diante, trabalho: descobrir onde exatamente era o poço e ousar escrever para um “doido” que monitora as imagens dos satélites dando as coordenadas do local acidentado e receber de volta a foto da imensa mancha de óleo.
A Folha acabou por borrar-se e dar uma explicação que não convence nem mesmo crianças de cinco anos de idade.
Não há razão para louvor em boca própria que, ensinou Cervantes no D. Quixote, é vitupério, embora seja mentira se eu disser que a pouca vaidade não se excita ao ver El País registrar que o jornalão “pediu penico” sobre a maioria apoiar uma nova eleição admitindo que “a existência desta e de uma outra pergunta, a respeito da percepção popular sobre os procedimentos do impeachment, foram reveladas pelo site Tijolaço“.
Não seria verdadeiro e sincero nega-lo, mas seria igualmente falso não reconhecer que tive nisso a ajuda da Letícia Sallorenzo, que pacientemente listou, ontem, as perguntas “sumidas” do questionário do Datafolha, a Maria, que me avisou da matéria do The Intercept, do Olímpio Cruz, que me mandou os links , do Fernando Molica, que não podia acreditar no que estava se passando e, sobretudo, a do Glenn Greenwald que “botou a cara” de um Prêmio Pulitzer à mercê dos problemas que enfrenta um jornalista que não se conforma em virar porta-voz dos poderosos.
E chega disso, porque a gente aprendeu que “jornalista não é notícia”, assim como não é uma criatura especial, apenas outro trabalhador.
Mas é algo extraordinário o que nos permite um blog, uma publicação independente, sem preço de capa e sem patrocínio de quem quer que seja, exceto o chapéu estendido aos anônimos, quando a gente pode dividir cada hora, cada ato, cada acerto e cada erro com quem nos lê.
E reconhecer que o que a gente faz, afinal, pode ter alguma importância para a consciência coletiva.