Por Paulo Faria, jornalista –
Não sou muito de me gabar, por isso pouca gente sabe que entre 1998 e 2001 tive o prazer, a honra e o privilégio de estar com Lula pelo menos uma dúzia de vezes. Não lembro qual foi a última vez que o encontrei, mas a primeira a gente nunca esquece: foi uma rapidinha nos últimos dias da campanha presidencial de 98, numa sala em um casarão na avenida Pacaembu, comitê central, quando já estava claro que não haveria segundo turno.
Lula estava sentado a uma escrivaninha, visivelmente cansado porém bem-humorado, como se coubesse a ele, candidato derrotado por antecedência, o papel de consolar o pequeno grupo que o cercava, do qual eu era o novato. O que lembro daquela noite foram as gargalhadas provocadas pelo “companheiros, lutei como um leão pra morrer que nem um veado”, o imenso carisma e energia daquele homem, além da pequena fila que se formou ao final da reunião por aqueles que pediam para tirar uma foto com ele.
Essa foi a primeira, não a mais memorável. A melhor lembrança que tenho de Lula aconteceria quase dois anos mais tarde, no período pré-eleitoral (eleições locais) em 2000. Eu tinha acabado de voltar para São Paulo após 14 meses em Londrina. Vou poupá-los dos detalhes acerca da minha vida pessoal à época: desempregado, formado em jornalismo há um ano, sem muita esperança, brigado com a família, sem casa e sem rumo, e vou pular direto para o passe de mágica, ou melhor, uma tabelinha perfeita entre os mágicos Washington Araujo e Ricardo Moreira (que também estava presente naquela sala do casarão da Pacaembu), que mexeram uns pauzinhos e – abracadabra! (ou seria golaço?) – só sei que em uma semana passei de candidato a indigente a passageiro de um bimotor rumo ao Vale do Paranapanema, ao lado de Paulo Frateschi (então presidente estadual do PT-SP), o próprio Luiz Inácio e mais dois assessores.
Se a memória não me trai, aterrissamos em Ourinhos, e nos próximos cinco dias passamos por cerca de 15 municípios. A rotina era a mesma em todas as cidades: Lula fazia um discurso, falava com a imprensa local, cumprimentava meio mundo e, antes de partir para o próximo destino, parava para a obrigatória fila de fotos. Sempre a fila de fotos. E Lula sempre de bom humor, sorridente, gentil, atencioso, paciente, genuinamente interessado no que as pessoas tinham a dizer. E aquela energia e carisma que pareciam infinitos. Ainda no segundo dia ele já fazia questão de me chamar pelo nome (também, moleza, né? meu chefe e amigo pessoal dele também era Paulo, o Frateschi. Era Paulão pra lá, Paulinho pra cá).
Durante aqueles dias dividimos banco de carro, saguão de hotel, mesa de bar, lugar no avião… Fumei todos os Café Crème que ele me ofereceu (ele ainda fumava na época, eu também), brindei todas as cachaças, xingamos juntos as mentiras dos coroneizinhos da imprensa local, rimos das mesmas piadas. Rolou até uma mijada lado-a-lado no acostamento de uma vicinal, em plena luz do dia. Já não aguentava mais pedalar no banco de trás, tive que pedir pro motorista encostar. E eis então que Lula, que vinha no carro de trás, aparece ao meu lado: “porra, Paulinho, já tava quase fazendo nas calças”. Me lembro perfeitamente tanto o que pensei quanto o que senti naquele momento: “Esse cara que tá mijando do meu lado quer ser presidente da república. Será que esses carros que estão passando percebem que é o Lula?”
Enfim, passei bons momentos ao lado daquele que até então era considerado pela Casa Grande e seus capitães do mato o “eterno candidato à presidência da república”, e pelo povo a esperança de uma vida melhor. Só não pedi pra registrar nossos encontros em fotografia. Caralho, o cara passava horas por dia plantado igual a uma estátua disposta a tirar foto com quem quer que pedisse uma. Não queria ser mais um mala a alongar a fila. E se arrependimento matasse…
Mas confesso que naquela época não imaginava que aquele cara brincalhão, bem humorado, cheio de energia e com um carisma sem igual acabaria se tornando o maior presidente que o Brasil já teve. Nesses tempos de barbárie e falta de humanidade, registro hoje – com orgulho e ainda que tardiamente, pois faz quase 20 anos que estive com Lula pela última vez – minha foto com o maior brasileiro de todos os tempos. Minha humilde e insignificante tentativa de reparar um vacilo histórico.
Façam bom proveito dos seus mitos. Eu fecho com o preso político mais importante do mundo. Obrigado por tudo, companheiro. E já vou avisando que na próxima vai ter beijo na barba, longos abraços, tapa nas costas, mão na bunda e selfie até você pedir arrego.