“A gente podia ter sido ouvido antes de ser preso”

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Em sua primeira entrevista desde 2017, professor da UFSC relembra abordagem e 36 horas de prisão devido a Operação Ouvidos Moucos

Por Tatiane Correia, compartilhado de Jornal GGN




Eduardo Lobo, professor da UFSC. Foto: Reprodução de vídeo

O Tribunal de Contas da União (TCU) pode ter determinado o arquivamento de representação movida contra a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas o impacto causado na vida dos professores acusados não será esquecido tão cedo.

Uma das consequências da ação, conhecida como Ouvidos Moucos e executada em molde semelhante ao da Operação Lava Jato, foi o suicídio do então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, na cidade de Florianópolis.

O atual professor associado do curso de engenharia civil da UFSC Eduardo Lobo foi um dos envolvidos na operação policial, e chegou a ficar detido por 36 horas no Presídio Masculino Regional de Florianópolis, conhecido como Penitenciária da Agronômica.

Lobo se lembra do dia em que a Polícia Federal bateu em sua porta: 14 de setembro de 2017, uma quinta-feira. “Em setembro, batem na minha porta quatro policiais: um delegado, um escrivão e dois agentes, devidamente trajados e armados na porta”.

“Eu me lembro que a mídia corporativa divulgava a história do herói policial, do policial federal”, diz Lobo. “Meu filho, na época, estava em idade de fazer vestibular. Estava com uns 16, 17 anos. Ele abre a porta e colocam uma Glock na cara dele perguntando se tinha arma. ‘Não tem arma não, baixa essa arma por favor que aqui não tem arma’, né? Foi assim que começou a história toda”.

Inconsistência

A decisão divulgada pelo TCU na última semana se refere a um superfaturamento no aluguel de veículos para a execução de projetos de cursos à distância no sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) – segundo Lobo, tal locação foi feita para o Departamento de Física, e teve origem entre 2014 e 2015.

De acordo com Lobo, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal dividiram a operação Ouvidos Moucos em duas partes: uma relacionada ao Departamento de Física, cuja responsabilidade era a locação de veículos, e uma relacionada a bolsas de estudos e gestão dos cursos de administração na modalidade EaD.

Na época, o acadêmico trabalhava no departamento de Administração. “A única conexão é que a operação se pautou em duas fake News: a primeira da locação de veículos, e a segunda de desvios de bolsas no curso de administração. Por que a PF ou por que a o corregedor da época quis pegar esse curso? Porque era o maior, era o que tinha mais aluno, e tinha maior orçamento”, afirma Lobo.

O professor ressalta que, na operação Spoofing, a delegada Erika Marena chegou a enviar uma mensagem para o então procurador Deltan Dallagnol via Telegram afirmando que “teria descoberto possíveis desvios de recursos da UFSC para o MST”.

“É só você estar online que você vai achar manchete dizendo de desvios de R$ 80 milhões na UFSC, e o TCU estava lá afirmando que já tinha condenado todo mundo. O que acontece: o TCU abre um procedimento investigativo contra quem foi preso, e contra um ou dois professores que foram levados em condição coercitiva. Nós constituímos mais um advogado na esfera administrativa, para elaborar nossa defesa. Nossa defesa não foi sequer lida”.

36 horas de prisão

Em sua primeira entrevista sobre o assunto desde 2017, Lobo lembra que ele e outros professores foram detidos e passaram 36 horas na Penitenciária da Agronômica.

“Esse foi o primeiro contato com a força policial, digamos, com a autoridade policial – tirando essa violência mais simbólica (abordagem com arma na porta de casa). Fomos muito bem tratados, né? Eu li o mandado de prisão – quando eu olhei, era mandado de prisão”, lembra o acadêmico.

“Achei que seria uma condução coercitiva, alguma coisa nesse sentido, mas aí a gente já percebeu. Já percebi que era uma coisa muito violenta, muito desproporcional e já se sabe o porquê”, diz o professor, lembrando que Cancellier foi um dos detidos na chamada operação padrão.

Durante os depoimentos, os professores perceberam que o delegado responsável não tinha a menor ideia do que estava sendo perguntado a cada um, e que ele seguia uma espécie de roteiro com as perguntas a serem feitas.

Eduardo Lobo lembra que, logo ao ir para lá, pediu papel e caneta – que usou para escrever em detalhes todo o funcionamento de uma universidade. “(Hoje) Já se sabe, já foi dito que tudo que foi explicado ali poderia ter sido explicado antes, não precisava de tudo aquilo”.

Não é errado afirmar que os professores da UFSC foram alvos de uma operação de lawfare conduzida nos moldes da Operação Lava-Jato de Curitiba, principalmente quando se tem em vista que a delegada federal Erika Marena, que atuou no Paraná, estava à frente do caso.

“A gente sabe que a técnica da Lava Jato era prender primeiro e ir perguntando depois que prendeu. E quando há algum crime, as pessoas se assustam com aquela violência toda e acabam ‘abrindo a boca’ e falando tudo. O que aconteceu, no nosso caso, é que não tinha o que delatar, que não tinha crime porque não tinha desvio”.

Perda do objeto

Eduardo Lobo lembra que, entre 2017 e 2018, a ação policial na UFSC tinha perdido seu objeto (ou seja, fato posterior ao ajuizamento da ação impede que se constitua a situação jurídica pretendida).

“Em 2018, o TCU percebeu que quem tinha sido preso não era ordenador de despesa (…) (O TCU) foi o primeiro a entender lá atrás, em 2018, que quem foi preso não precisava ter sido preso para começar, porque não ordenava despesas. Eu fui preso porque eu era chefe (de departamento”, afirma o professor, lembrando que chegou a falar isso para a delegada Érika Marena durante depoimento.

Em 16 de novembro de 2017, Lobo apresentou um documento de 500 páginas para a delegada, onde explicava entre outras coisas que chefe de departamento não ordena despesas, e que a moeda do chefe de departamento – assim como a moeda do reitor – é carga horária. “Mas o alvo não era esse, era achar laranja, era achar rachadinha, era desvio de recurso”

Teses sem fundamentação

Todo o caso foi alvo de ampla cobertura da mídia, que colocou os acadêmicos como se fossem realmente criminosos e procurando algum tipo de conexão que os incriminassem.

“A primeira tese era que tinha um carteiro que era tutor, como se um carteiro não pudesse tutor – ele tinha especialização, era graduado em administração, que era o curso ministrado. Então, eles perderiam a tese de que tinha até carteiro que era tutor para defender e imputar a tese de laranjas, de ter 500 CPFs recebendo rachadinha e pagando para o líder da organização criminosa”.

Contudo, nenhuma das acusações feitas pelos policiais existia de fato – e todos os depoimentos convergiam entre si, o que confirmava a veracidade da versão apresentada pelos professores da UFSC.

“Se você pegar todos os depoimentos de quem foi preso e levado em condução coercitiva, foram 13 pessoas no total: sete presos e seis em condução coercitiva. Se você pegar aqueles depoimentos de 14 de setembro de 2017, vai ver que parece que todos tinham combinado, que a versão era a mesma (…)”

“Eu não tenho a resiliência do presidente Lula, nem um décimo da resiliência que ele tem – mas uma certa resiliência com alguns anos de terapia eu percebi que tenho. Então, o Cancellier não teve essa resiliência”, lamenta Lobo. “Ali eu percebi que seria algo de muito tempo. A gente poderia ter sido ouvido antes de ser preso”.

Na segunda parte, Lobo discorre sobre as lembranças do presídio, o impacto sobre sua família e o legado de Cancellier. Acompanhe no Jornal GGN.

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