A gramática da poesia: aulas em cápsulas de lirismo

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Por Odonir Oliveira, Jornal GGN – 
Como foram suas aulas de português na escola?

Teriam sido as eternas decorações das conjugações dos verbos – em particular dos pronominais, defectivos e anômalos?




Teriam sido a decoração, com duplo sentido, das regras de acentuação, da lista de substantivos coletivos, dos plurais de substantivos compostos, do emprego do hífen e do trema, da colocação dos pronomes nas orações? Hoje quase tudo fossilizado pela gramática do português brasileiro contemporâneo !

Ou você ficou estudando por uma década as funções sintáticas todas, as orações coordenadas, subordinadas, as reduzidas, sem reduzi-las ao seu verdadeiro lugar: escravas do nosso escrever.

Tudo se move; nada é imovível – diria o teórico que eu já esqueci o nome,  mas fiquei com sua fala nas mãos para usá- la a gosto . Porque as regras da gramática do português escrito são receitas, como as de bolo, as da etiqueta social, as do doutor da medicina: devem ser consultadas, usadas apenas em caso de necessidade, de precisão e, por isso, devem ser conhecidas, jamais servirem de NORMAS a serem obedecidas sem discussão, insubordinação, intromissão, irreverência.

Nossos grandes Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Mário de Andrade e os poetas mais recalcitrantes e “modernos” recriaram seus falares e dizeres porque a língua é doce e cruel, é delgada e grossa como nossos intestinos, portanto há que se mastigá-la até o último grãozinho para degustá-la com prazer. E só assim lambuzar-se dele e nele.

As aulas de língua jamais poderiam ser e estar separadas das de literatura, bem brasileiras, dessas de a gente reconhecer pelo cheiro nas ruas, pelo gosto nas calçadas, pelo tato nos bares, dessas também de se encontrar e ser encontrado nelas.

As aulas de português deveriam ser, de uma forma ou de outra, pequenas doses de lirismo, drágeas de encantamento por ler, por escrever, por entender o lido e o escrito, para se poder ir longe com esses ensinamentos. Bem mais longe!

 

AULA DE PORTUGUÊS

 

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

 

Carlos Drummond de Andrade

Em Reunião, José Olympio

 

 

PREDICATIVOS DO SUJEITO

 

Meu pensar é um desafio

Meus caminhar é uma manhã

Meu joelho é uma maratona

Minhas pernas são um ímpeto

Meus braços são um berço

Minhas costas são um tronco

Meus pés são uma rota

Meus falares são cantares

Minhas mãos são meu refúgio

Meus seios são um cais

Meu deitar é um encantamento

Meu colo é um desejo

Minha pele é uma fogueira

Meu umbigo é um aconselhamento

 

Meu coração

é um verso.

 

Odonir Oliveira

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