Impressionante a cegueira das autoridades, do neoliberalismo desvairado do PSDB aos governos populares do PT, eunucos do desenvolvimento.
Por Luis Nassif, compartilhado de seu Blog
É agora ou nunca mais. Ou o Brasil enfrenta definitivamente o complexo de vira-lata, ou perderá a última chance de se transformar em um país minimamente desenvolvido.
O país entra no último ciclo da industrialização – o da transição energética -, e a nova etapa da geopolítica global – com a ascensão da China -, coberto de possibilidades, e vazio de estratégias. E, por falta de estratégias, amplamente vulnerável.
Este ano será conhecido futuramente como o do início da grande invasão chinesa. Estão ocupando todos os espaços do último setor da indústria – o de máquinas e equipamentos – com preços até 40% inferiores aos dos melhores produtos nacionais. As plataformas de vendas espremem o varejo brasileiro. Os produtos siderúrgicos esmagam as mais modernas siderúrgicas brasileiras.
E o complexo de vira-latas impede até decisões óbvias de políticas públicas:
1. Imposto de importação sobre produtos que ameacem produção e emprego internos.
2. Negociação em torno das vantagens brasileiras, mercado interno e vantagens energéticas. Não se negocia transferência de tecnologia, obrigatoriedade de fornecedores brasileiros, compromissos de exportação.
3. Acordos comerciais para se posicionar nas mudanças das redes globais de fornecedores.
Qualquer uma dessas medidas pode contrariar as normas de bom comportamento do mercado e do Fundo Monetário Internacional. Um país inteiro lutando por se reerguer, pequenos, médios e grandes empresários de norte a sul, cooperativas, movimentos de agricultores familiares, rede de associações comerciais, criando empregos, produção, pagando impostos. E todos submetidos à política econômica da Faria Lima.
É impressionante a cegueira que acomete sucessivas autoridades, do neoliberalismo desvairado do PSDB aos governos populares do PT, ambos eunucos do desenvolvimento.
Nos anos 50, à esquerda e à direita, havia um projeto de país. Dia desses, conversando com Luiz Gonzaga Belluzzo, ele lembrava o sentido prático de Roberto Campos, quando Ministro, e com plena consciência dos instrumento de desenvolvimento, assim como Octávio Gouvea de Bulhões.
Do lado progressista, os ensinamentos de Celso Furtado e o conhecimento industrial de Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Cleantho de Paiva Leite, Ignácio Rangel, de seus discípulos, Carlos Lessa, Antonio Barros de Castro, David Kupfer e da mestra maior Maria Conceição Tavares. Havia o grande Eliezer Baptista, e empresários com sentido de país, como Trajano de Azevedo Antunes, João Pedro Gouvea Vieira, Walther Moreira Salles, Jorge Gerdau, Cláudio Bardella.
E, agora? Muitas dessas referências geraram herdeiros sem nenhum senso de país nem de indústria.
O desafio ideológico
O grande desafio, o primeiro passo para a reconstrução do país, é de fundo ideológico: a luta pela defesa da produção nacional, como fator central da recuperação do país. O pequeno empresário, o MST, o dono de bar, a grande corporação, todos têm que entender que contribuem muito mais para o país do que o trader de mercado, o sujeito que sabe simplesmente comprar barato e vender caro.
Hoje em dia, a juventude sonha com o mercado financeiro, a música popular está dominada pela cultura rural, os vencedores são as empresas de agronegócio, que não pagam impostos, não geram empregos e fazem parte da frentes anti-Estado, apesar da Embrapa e de todo o esforço público que ajudou a transformar o país no celeiro do mundo.
O grande golpe da Lava Jato foi a destruição das empreiteiras. Matou não apenas a engenharia nacional, mas o único setor cujo lobby, no Congresso, podia se contrapor ao lobby do mercado e dos ruralistas.
A indústria tem setores influentes, as federações de indústria, comércio, agricultura, as associações comerciais, o sistema S, todas são organizações com abrangência nacional. Tem que haver uma liderança supra-setorial para desfraldar a bandeira da produção, juntar todos esses agentes e comandar a revolução cultural que reponha os valores do desenvolvimento social no país. E trata-se de tarefa indelegável do presidente da República.
Lula tem uma enorme folha de serviços prestados ao país, no papel de conciliador. Foi com esse papel que saiu das profundezas das prisões e da pior perseguição política da história, para salvar o país das mãos da milícia e de militares golpistas.
Mas se quiser deixar sua obra definitiva, precisa vestir, agora, o uniforme do desenvolvimento. E este passa pela capacidade de unir o país em torno de um discurso político tendo como centro um projeto de desenvolvimento, focado na produção. Tem que recuperar o orgulho de comprar o made in Brazil, de mostrar ao empreendedor e ao trabalhador que ambos são parceiros do grande trabalho de reconstrução nacional.
A direita conseguiu mobilizar parte relevante do país em cima da bandeira da salvação nacional, acenando com inimigos mitológicos e propondo desafios pequenos: rezar nas portas de quartéis ou para pneus e discos voadores.
Lula não seria capaz de mobilizar os brasileiros explicando que o seu dia a dia – do dono e empregado de bar ao dono e trabalhador da grande siderúrgica – é a grande contribuição à salvação nacional, contra a maior das ameaças: a transformação em um reduto de milícias dominando o país em parceria com o mercado?