Os que sobrevivem, muitos deles feridos e mutilados, vivem com o terror de verem seus amiguinhos mortos, esmagados sob os escombros.
Por Aldo Fornazieri, compartilhado por Jornal GGN
A principal característica da guerra de massacre que Israel move em Gaza é a de que se trata de uma guerra contra a infância. Em sendo uma guerra contra a infância, é também uma guerra contra a inocência. As crianças são o grupo populacional de Gaza que mais morre na guerra: algo acima de 40%. Ao iniciar o ataque a Gaza, o alto comando militar e governamental de Israel sabia que esta seria uma guerra contra a infância, contra crianças. Representantes da ONU e de outras instituições internacionais vêm advertindo que Gaza se transformou num cemitérios de crianças.
Em alguns aspectos, a guerra em Gaza está sendo mais brutal do que a Segunda Guerra Mundial. E em alguns aspectos, Israel está sendo mais brutal do que os nazistas. Estima-se que na Segunda Guerra morreram 85 milhões de pessoas. Cerca de 50 milhões ou 59% eram civis.
Em 30 dias de guerra, Israel matou em Gaza cerca de 10 mil pessoas. Estima-se que mais de 80% sejam civis. Isto é: pessoas que não pertencem à organização do Hamas. Do total de mortos em Gaza, 2/3 ou 66% são crianças, mulheres e anciãos. Há informações de que na Segunda Guerra, a Alemanha matou 1,5 milhão de crianças, sendo que um milhão eram judias. Mas, tome-se o número total de mortos de 85 milhões. Para que haja uma correspondência entre os números da Grande Guerra e os números de Gaza, 34 milhões dos mortos deveriam ser crianças. Isto não ocorreu.
Uma estimativa do UNICEF indica que em 10 anos de guerra na Síria, 10 mil crianças foram mortas ou feridas. A Procuradoria-Geral da Ucrânia declarou agora, em outubro, que 508 crianças morreram na guerra e que 1646 estão desaparecidas. Compare-se estes números com os provocados por Israel em Gaza. A ONG Save the Children declarou que em três semanas de guerra o número de mortes de crianças em Gaza ultrapassa o número anual de crianças mortas em todas as zonas de guerra do mundo desde 2019.
Os números de crianças mortas revelam a brutalidade e a impiedade da ação de Israel. Não deixam dúvidas: trata-se de uma guerra contra a infância, contra a inocência. Qual a motivação para Israel promover uma guerra desta natureza? Trata-se de uma guerra punitiva, uma guerra de vingança. Este tipo de guerra visa causar as maiores perdas e as maiores dores ao alvo da vingança.
Qual é a maior dor que um ser humano pode vivenciar? Certamente, é a morte brutal de seus filhos, ainda crianças. É esta dor que Israel está infringindo aos palestinos. Esta guerra só secundariamente é contra o Hamas. O seu aspecto principal consiste em ser uma guerra de vingança contra os palestinos, buscando lhes infringir a maior dor possível.
Outra grande dor que os seres humano sentem consiste em ver seus lares destruídos e suas terras e plantações devastadas. É o que Israel também está fazendo em Gaza. Esta ação também se reveste de conteúdo de punição e de vingança. Nessa guerra de vingança, Israel visa anular a intersociabilidade, humanidade e politicidade dos palestinos, impondo uma dominação total e incontestável e, no limite, o extermínio.
Israel quer inscrever nas mentes dos palestinos as imagens da morte brutal das crianças para que estes nunca se esqueçam de que devem obedecer ao mando e à vontade de tão feroz punidor. A principalidade desta guerra não se radica em motivações econômicas ou políticas, mas puramente na vendeta cruel.
Na vendeta israelense, os aspectos políticos e jurídicos da guerra são ignorados. Israel move esta guerra desconsiderando o direito internacional, a Carta de Direitos da ONU, os tribunais internacionais e a própria regulamentação dos crimes de guerra. Israel se move pelo puro desejo de matar, de derramar sangue inocente, como forma de punir os supostos e os reais culpados. Para Israel, todos os palestinos são culpados e o Hamas é o especificamente culpado.
Somente portadores de vontades totalitárias se entregam a guerras de vingança. Os inimigos dos vingadores são reduzidos a meros instrumentos, são desumanizados, coisificados para que seus corpos fiquem inteiramente disponíveis aos designíos da vontade absoluta de dispor totalmente do outro.
É espantoso que os líderes ocidentais aceitem esta guerra de vingança de Israel sob a falsa cobertura do seu direito de se defender. Ninguém nega esse direito. Mas esse direito foi transformado em autorização sem limites para assassinar crianças, mulheres, idosos e civis. Foi transformado em direito de assassinar a infância e a inocência.
O que querem as crianças palestinas? Querem simplesmente viver, brincar, se divertirem. Tudo isso lhes foi roubado, como foram roubadas as terras de seus antepassados. Os que sobrevivem, muitos deles feridos e mutilados, vivem com o terror de verem seus amiguinhos mortos, esmagados sob os escombros.
O que querem as mães palestinas? Querem ver os seus filhos alegres brincado entre oliveiras, apanhando as olorosas romãs orvalhadas, crescerem felizes e seguros. Mas o que veem as mães palestinas? Décadas de tormentos, de deslocamentos, de perda das terras e das casas. Veem seus filhos amedrontados. E agora precisam retirar seus filhos feridos ou mortos de sob os escombros, removendo blocos e lajes despedaçados pelas bombas com suas próprias mãos. Não ouvem risadas e vozes felizes. Ouvem gritos de dor, os terríveis lamentos dos que choram seus mortos e olham os riachos de sangue dos seus filhos escorrendo nas ruas, entre ferro retorcido, cimento transformado em pó.
As crianças sobreviventes, milhares delas feridas, não encontram nem o peito e nem o colo de suas mães. Não ouvem canções de ninar para dormir. Ouvem apenas gritos de desespero de desconhecidos e o barulho horripilante da tempestade de fogo e bombas que vem dos céus.
Como pode isto acontecer? Como podem os líderes ocidentais deixar que isto aconteça? Não estão apenas deixando. São cúmplices desses crimes impiedosos. Suas almas estão apodrecidas e exalam a mesma podridão da civilização ocidental judaico-cristã. Esta mesma civilização que assassinou os princípios de justiça que estavam nas bases dos textos religiosos.
Esta mesma civilização judaico-cristã que é cínica e covarde. Que assassinou e exterminou povos originários em quase todo o mundo. Que roubou riquezas em todos os lugares. Que sequestrou os africanos para escravizá-los, açoitá-los e assassiná-los nas Américas. Essa mesma civilização que ergue seus impérios de riquezas à custa do suor e do sangue dos trabalhadores. Esta mesma civilização que, com sua sede assassina insaciável, extermina as espécies e destrói a natureza.
É o cinismo putrefato desta civilização que ceifa a cabeça do universalismo, que decapita os direitos humanos, que debocha do direito internacional. Esta civilização é a mentora do assassinato de crianças, mulheres e idosos em Gaza. Qualquer população atacada pelas guerras, geralmente tem lugares para fugir. Em Gaza não. Em Gaza tudo está fechado. Em Gaza, a única alternativa é morrer. Ali morrem mães que só queriam acalentar seus filhos e morrem crianças que só queriam viver.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.