A história por trás da crise no INPE

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista, Facebook –

O que parece ser um fato pontual, no caso das críticas de Bolsonaro aos dados de desmatamentos produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e que levou ao afastamento do diretor-geral da instituição, Ricardo Galvão, na verdade tem tudo para ser o capítulo final de uma novela que dura décadas.

O que se quer dizer com isso é que o segmento militar, ligado à Aeronáutica, nunca digeriu a ideia de o Inpe ser uma instituição civil, ligada ao ministério da ciência e tecnologia, agora, ele também, dirigido por um ministro de formação militar, o doublé de astronauta Marcos Pontes.




Para uma compreensão mínima do enredo dessa história é preciso começar com o voo do cosmonauta russo Iuri Gagárin, (1934-1968), em 12 de abril de 1961 que durou 108 minutos em uma órbita de 315 km. Para quem desconhece, foi ele quem disse: “A Terra é Azul” por um efeito produzido pelo que os físicos chamam de espalhamento da luz.

O voo solitário de Gagárin, com o carisma que emanava, encantou e surpreendeu o mundo, especialmente os Estados Unidos que se sentiram na obrigação de dar uma resposta imediata à conquista que sugeria supremacia soviética no clima da guerra fria. Nesse momento, governos da China, Índia e Brasil, aqui sob Jânio Quadros, criaram seus respectivos programas espaciais.

Apenas a título de comparação, observem o estágio do programa indiano, com um satélite em Marte, entre outras conquistas, e da China, que já orbitou uma estação espacial, pousou uma sonda com experimentos científicos na Lua e tem programas ousados para o satélite da Terra, incluindo um hotel.

O Brasil enterrou uma fortuna que ninguém sabe dizer em seu programa espacial para obter resultados frustrantes, entre eles o voo de um astronauta, fabricado no governo de Fernando Henrique Cardoso para dar ao país, em benefício do governante, ares de modernidade.

A história do astronauta brasileira foi uma novela dentro de outra novela, um caso que remete ao realismo fantástico que nasceu pelo engenho e arte de mexicano Juan Rulfo em “Pedro Páramo” e amparou a onda de criação da literatura latino-americana. Produtivo na literatura, mas com efeito negativo no universo da ciência.

Lula, e aqui não há qualquer estratégia para defendê-lo, com um astronauta que havia custado pelo menos US$ 20 milhões em treinamento, mas que continuava na superfície da Terra, decidiu amenizar o prejuízo num voo de uma nave soviética, o que custou outros US$ 10 milhões. O astronauta, então, fez um voo de turismo de luxo, sem qualquer impacto positivo para o programa brasileiro, a não ser a publicidade que impressiona incautos.

É necessária uma breve parada na história do programa espacial brasileiro, que exigiria mais espaço que o disponível para uma breve exposição no Face. No início dos anos 1980, o programa que tinha cooperação com a França, foi suspenso e reformulado. Por que isso aconteceu? Simples e banal.

O programa com a França levava em conta o desenvolvimento de um foguete de combustível líquido, como o que levou astronautas americanos à Lua. Qual a característica de um foguete a combustível líquido? A queima (propulsão do foguete) pode ser cortada a qualquer instante considerado necessário. Já foguetes de combustível sólido não permitem essa liberdade.

Mísseis militares, portando bombas atômicas ou outros explosivos, são abastecidos com combustível sólido e não líquido. Qual a explicação? Combustível líquido exige tempo de abastecimento, enquanto os sólidos estão prontos para disparo imediato, abrigados em silos.

Por que o Brasil fez essa opção? Porque queria desenvolver mísseis capazes de transportar uma bomba atômica, um dos sonhos do governo dos generais com o propósito de supremacia na América Latina, em particular sobre a Argentina. O brigadeiro Hugo Piva, um dos pais do foguete brasileiro, pessoa admirável e transparente, confirmou essa situação a mim, como jornalista, mais de uma vez.

Resumo da ópera: várias revisões no programa espacial não levaram, até agora, ao cobiçado foguete de lançamento de satélites e outras cargas úteis no espaço e essa frustração deve ser debitada à Aeronáutica, envolvida com o foguete.

Na segunda metade da década de 1980 o Inpe havia desenvolvido um satélite simplificado de coleta de dados de superfície e esperava pela conclusão do foguete. O atraso ameaçava torna-lo obsoleto em terra e então o diretor-geral do Inpe, Marcos Pontes os militares, na pessoa de Paulo Roberto Camarinha (1923-2013), à época chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA) que chegou a São José dos Campos pisando duro, no melhor estilo autoritário.

Acompanhei essa história de perto, como assessor do diretor-geral do Inpe. Raupp recebeu Camarinha com a diplomacia e gentileza que fazem dele uma pessoa especial. Pouco depois, Camarinha seria exonerado, por falar mais que deveria, por seus superiores imediatos.

O Inpe ainda desenvolveu programas de satélites com a China, entre outras inovações, e, em comparação com o foguete, avançou, mas isso só gerou mais ressentimento. ampliado pela explosão, na Base Espacial de Alcântara, no Maranhão, em 2013, que destruiu a torre de lançamento.

Desde sempre foi folclórico o desejo da ala militar em incorporar o Inpe sob sua formatação, entre elas para produzir/divulgar informação controlada. A mesma que agora desejam o capitão Bolsonaro e o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Nacional (GSN) entre outros. Então, a crise recente com o Inpe foi provocada.

E jornalistas que acreditam na Cegonha supuseram que o doublé de astronauta atuaria, ou deveria atuar, em defesa do Inpe, quando ele não só não fez isso como pode ter tido participação na estratégia de colocar o Inpe sob administração militar, com o substituto de Ricardo Galvão, o que é altamente provável.

Com isso o Brasil, e, sem exagero, a Terra inteira, perdem. E muito. O desmatamento brutal que acontece na Amazônia neste momento, é uma ameaça ambiental catastrófica e inédita na história da humanidade.

Ainda que, comparativamente, pouca gente enxergue a dimensão dessa catástrofe.

Imagem: Torre de lançamento destruída n o Maranhão, em 2013.

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