A história se repete e as vítimas são sempre as mesmas

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SALVADOR/BA – O assassinato de Mãe Maria Bernadete Pacífico Moreira, líder quilombola e Mãe de Santo, executada com 12 tiros na cabeça na última quinta-feira (17/08), na presença de netos pequenos, faz lembrar o caso de outra Bernardete, também baiana e líder sem-terra e religiosa.

Compartilhado de Afro Press




A história se repete e as vítimas são sempre as mesmas

Em 2010, Bernardete Souza Ferreira Santos, à época com 42 anos, mesmo incorporada de Oxóssi – o orixá de sua devoção – foi jogada em um formigueiro acusada de desacato, sob o argumento de que “era prá tirar o diabo do corpo”, numa sessão de torturas comandada por policiais da Polícia Militar. A Polícia havia invadido o Assentamento D. Hélder Câmara, na Comunidade Banco do Pedro, em Ilhéus, onde vivia Bernadete, supostamente em diligência para esclarecer uma ocorrência, quando a líder religiosa  lembrou que não dispunham de mandado judicial e estavam invadindo propriedade privada. Foi o suficiente.

O caso, ocorrido no dia 23 de outubro daquele ano, teve ampla cobertura de Afropress e mereceu, inclusive, um editorial sob o título “A Mãe de Santo e os tergiversadores”, postado em 09 de novembro de 2.010.

Veja abaixo:

https://www.afropress.com/termina-sem-culpados-inquerito-da-tortura-a-mae-de-santo/

https://www.afropress.com/religiosa-sera-recebida-por-governador/embed/#?secret=QSLSemPpL7#?secret=9zat6g8Ycq

https://www.afropress.com/a-mae-de-santo-e-os-tergiversadores/embed/#?secret=LGjgCd8PS7#?secret=TlOqEav95P

https://www.afropress.com/advogados-deixam-caso-em-protesto-a-operacao-abafa/embed/#?secret=gTUK2SjGzE#?secret=MEMdtq1T8r

https://www.afropress.com/religiosa-jogada-em-formigueiro-denuncia-intimidacao-policial/embed/#?secret=k5NmOd0Vhk#?secret=QHGQD18GOI

RELEMBRANDO O CASO

A Mãe de Santo Bernardete Souza Ferreira Santos, da Comunidade Banco do Pedro, do Assentamento D. Hélder Câmara, em Ilhéus, estava em casa com o marido, o agricultor e professor de filosofia Moacir Pinho de Jesus, quando foram surpreendidos com a chegada de oito policiais militares fortemente armados. Traziam um jovem algemado e supostamente faziam diligências para esclarecimento de  um crime.

Mesmo sob jurisdição do INCRA os policiais invadiram a sede da Associação de Moradores vasculhando tudo o que encontravam pela frente. Diante da invasão do domicílio e como não apresentaram qualquer mandado judicial, a líder religiosa Bernadete reagiu. “É melhor vocês se retirarem. Isso aqui é uma área privada, um assentamento. Vocês podem entrar nas casas de quem não conhece as leis, mas aqui nós não somos abestalhados”, afirmou.

Foi o bastante para que o PM que comandava a patrulha, identificado como Adjailson, lhe desse voz de prisão por desacato e começasse a sessão de torturas. Já incorporada de Oxóssi, o orixá que cultua, Mãe Bernadete foi jogada em um formigueiro, sob o argumento de que “era prá tirar o diabo do corpo”, e depois lançada  num camburão.

Posteriormente foi levada para a 7ª Coordenadoria de Polícia do Interior (7º Coorpin) de Ilhéus, onde ficou numa cela masculina até ser libertada com a intervenção de um delegado.

TRADIÇÃO DE IMPUNIDADE

A delegada Katiana Amorim Teixeira, designada pela Secretaria de Segurança, por determinação do governador Jacques Wagner (PT), deu por concluídas as investigações, depois de ouvir 28 pessoas, juntar dezenas de fotos, laudo do local do formigueiro, num total de 280 folhas.“Eu queria muito ajudar a dona Bernardete e quero esclarecer os fatos, mas fiquei de mãos atadas. Tenho minha consciência tranqüila. Não estou podendo concluir com indiciamento, porque as duas testemunhas-chave não compareceram para depor”, afirmou, à época, à Afropress.

RESULTADO ANTECIPADO

Anteriormente o Corregedor-Adjunto da Polícia Militar da Bahia, tenente coronel Manuel Souza Neto, designado pelo comando da corporação para presidir uma sindicância interna já havia antecipado como a investigação terminaria. O coronel chegou a dizer que “tanto a intolerância religiosa quanto a tortura não seriam comprovadas de jeito nenhum” porque na Bahia “todo mundo na Bahia é católico, mas gosta de um sambinha também”.

Souza Neto, na ocasião, desdenhou da vítima ao negar – a exemplo do que concluiu a delegada na investigação – que não havia formigueiro. “Não teve ninguém colocado em formigueiro. Aliás, nem tem formigueiro. O que existe é uma grama rasteira com algumas formigas”, decretou.

RELATÓRIO

Com a investigação prejudicada pela ausência das duas testemunhas chave, a delegada disse que limitou-se, no relatório, a “pontuar os fatos”.

Apesar de, na investigação, ter se limitado, como frisou, a “pontuar fatos”, ela disse ter chegado às seguintes conclusões: 1 – que “não havia festa nenhuma no terreiro porque todas as testemunhas estariam em um mutirão de quebra de cacau”, ao contrário da denúncia; 2 – que não há terreiro construído na área; 3 – que não havia formigueiro, e conforme mostraria perícia no local; e 4 – que as manchas nas pernas da Mãe de Santo, teriam sido provocadas “por alergia”.

“Ela caiu em cima do formigueiro. Os policiais que estavam fazendo a condução nunca tinham ido ao local. Não sabiam que era formigueiro. Nada era visível. Não havia possibilidade de distinguirem que aquilo era formigueiro”, conclui no relatório, que encerra os trabalhos de investigação.

Segundo a delegada, o comparecimento das duas testemunhas também teria sido pedido ao advogado Sanzio Peixoto, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Afropress não conseguiu localizar Peixoto.

A delegada, que revelou ser espírita kardecista e já ter sido do Candomblé, contou que chegou a fazer um apelo a Mãe de Santo e ao marido: “Dona Bernadete, “seo” Moacir, eu preciso ouvir os dois, porque sem ouvi-los eu não tenho como fazer juízo de valor. Agora pessoas que tiveram forças para falar com o governador, claro que teriam forças para levar duas testemunhas, apresentadas por eles próprios, o senhor não acha?”, afirmou.

Durante dias a líder religiosa permaneceu  com as marcas das picadas das formigas nas pernas, atestadas no exame de corpo de delito. Á época a então Secretária da SEPROMI, Luiza Barrios, já falecida, disse que o então governador Jaques Wagner, à época, (foto ao lado), atual senador, ao tomar conhecimento do caso teria ficado “absolutamente indignado”.

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