A hora de se discutir a sério o papel das Forças Armadas, por Luís Nassif

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Papel de FFAA é defender a pátria contra inimigo externo, e não contra o interno, mote de sua atuação até agora

Por Luis Nassif, compartilhado de GGN




O experiente Manuel Domingos Neto, historiador, especialista em história militar, está preocupado. No período Bolsonaro, foi um crítico severo da falta de rumo das Forças Armadas, da politização desenfreada e da perda de objetivos.

Agora, a preocupação é de outra ordem. 

Os conspiradores devem ser punidos, concorda ele. Mas os ataques generalizados contra as Forças Armadas são improdutivos. Mais que improdutivos, são preocupantes. Alimentam o espírito de corpo, alimentam o revanchismo, tiram o foco do ponto principal: a necessidade premente de uma mudança de rumo no papel das Forças Armadas.

É hora do governo Lula e dos militares profissionais providenciarem um acerto definitivo de rumos das FFAAs. E não se trata meramente de uma mudança no currículo da Academia Militar das Agulhas Negras. Em toda parte do mundo, diz ele, a formação de militares não se dá pelos livros, mas pelos rituais, das marchas, dos hinos, dos cânticos, dos gritos de guerra, da camaradagem. Por isso mesmo, o ponto de mudança é o do objetivo central. E ele passa por uma mudança no artigo 142 da Constituição, que define como papel das Forças Armadas a Defesa da pátria; Garantia dos poderes constitucionais e Garantia da lei e da ordem. Além do Art. 142, outros dispositivos da Constituição tratam da atuação das Forças Armadas, como:

  • Artigo 34 : Sobre uma intervenção federal, que pode ser realizada para “por termo a grave comprometimento da ordem pública” com o apoio das Forças Armadas.
  • Artigo 136 : Durante a decretação do estado de defesa.
  • Artigo 137 : Durante a decretação do estado de sítio.

O objetivo de qualquer FFAA deve ser o da defesa da pátria contra o inimigo externo, e não contra o interno, mote de sua atuação até agora. A reformulação das FFAAs deve se dar a partir da mudança desse enfoque central. E essa mudança passa pela necessidade premente de se fortalecer os setores tecnológicos das FFAAs, especialmente do Exército e de eliminar essa visão subdesenvolvida do seu papel na geopolítica global, como mera subordinação ao Pentágono. Como manter essa subordinação em um momento em que ascende ao poder Donald Trump, em que o fantasma da guerra se espalha por todo o globo e mesmo a América Latina começa a se dividir politicamente?

A tese de doutorado de Domingos Neto foi sobre o Exército da Primeira República até a Segunda Guerra. Em todos esse período, iludiu-se com a ideia da transferência de tecnologia, um blefe que nunca permitiu a autonomia bélica das FFAAs brasileiras.

O país já teve uma indústria bélica de alguma dimensão, com lançadores de foguetes, tanques de guerra. Tudo isso foi desmontado por essa subordinação ao Pentágono. A própria licitação para a compra de jatos deixou a decisão nas mãos de brigadeiros umbilicalmente ligados aos Estados Unidos, que optaram pelo Gripen (com aviônica americana), quando não conseguiram os F-15.

A mudança das FFAAs passa pela busca da autonomia tecnológica, pela reformulação das instalações, com a venda de ativos imensos e onerosos, para focar no objetivo maior de aparelhamento tecnológico, de defesa das fronteiras e da costa. O que as três forças têm de melhor são seus engenheiros, seus institutos de tecnologia, a possibilidade de acordos tecnológicos com a universidade e institutos de pesquisa civis, a exemplo do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares).

Lembro – e agora é minha opinião, não necessariamente a de Manuel – que há muitos aventureiros querendo aproveitar o ressentimento militar para organizar uma revanche em um ponto qualquer do futuro. É evidente que Bolsonaro e seus golpistas precisam ser punidos severamente. 

Mas, sem resolver a questão militar, será uma mera troca de guarda, com seu posto sendo assumido por representantes em negociatas das FFAAs, como o governador paulista Tarcísio de Freitas, ou por candidatos a novos ideólogos da direita, como Aldo Rebelo, pretendendo um pacto entre FFAAs, agronegócio e mineradores e garimpeiros da Amazônia. Bolsonaro sai de cena, mas o bolsonarismo não. E, depois dele, o bolso-militarismo sendo assumido por candidatos militares muito mais palatáveis ao centro-direita e aos grandes grupos nacionais.

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