A hora e a vez das plataformas de streaming na temporada de premiações

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Por Matthew Jacobs, HuffPost US, compartilhado de Huffpost Brasil – 

Netflix, Amazon e seus concorrentes vêm cortejando os eleitores do Oscar há vários anos. Agora esse namoro está virando casamento.




ILLUSTRATION: DAMON DAHLEN/HUFFPOST; PHOTOS: GETTY/NETFLIX/HULU
Hulu, Netflix, Amazon Prime Video, Apple TV+ e Disney+ se converterem em grandes distribuidoras na temporada das premiações.

De alguns anos para cá, os especialistas que fazem previsões sobre a corrida ao Oscar vêm olhando suas bolas de cristal e tentando adivinhar quantos projetos exclusivos da Netflix podem ganhar indicações a Melhor Filme. Três filmes da plataforma já foram indicados até agora: em 2019, Roma, e em 2020, História de um Casamento e O Irlandês.

Nenhum deles levou a estatueta, mas sua inclusão assinalou que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas superara sua relutância anterior em encarar títulos de streaming como tão merecedores quanto filmes lançados nos cinemas. De fato, em janeiro, quando foi anunciada a leva mais recente de indicações, a Netflix recebeu mais do que qualquer estúdio tradicional.

E essa tendência se mantém. Logo depois de Mank – a cinebiografia de Herman Mankiewicz, roteirista de Cidadão Kane – ser exibido virtualmente para a imprensa, na semana passada, o New York Times especulou sobre a possibilidade de o filme estar destinado a dar o Oscar de melhor filme à Netflix. Para a Deadline, “podemos agradecer a ‘Mank’ por ter deslanchado a bizarra corrida ao Oscar deste ano”.

Sempre foi inevitável que a Netflix acumulasse mais prêmios. A mesma coisa se aplica à Hulu, Amazon e suas muitas concorrentes. Com os estúdios tradicionais de Hollywood priorizando franquias de orçamento grande e que pouco agradam às sensibilidades de prestigio, as plataformas de streaming estão virando os veículos preferenciais para filmes originais, com estrelas de destaque, que são bem cotados para o Oscar.

Mesmo assim, acho que poucas pessoas previram a ascensão rápida que essas plataformas terão quando a corrida atual deslanchar. Em 15 de março, quando forem anunciadas as indicações, é grande a chance de mais de metade dos slots disponíveis ficarem com os serviços de streaming.

NETFLIX
Amanda Seyfried e Gary Oldman em “Mank”, grande aposta da Netflix no próximo Oscar.

À primeira vista, talvez possamos atribuir essa mudança à pandemia, que levou muitos filmes a serem adiados até pelo menos 2021, na esperança de que até então os cinemas multiplex poderão funcionar sem as limitações impostas pela covid. Pelas regras normais da Academia, um filme precisa ter sido exibido em cinemas comerciais por pelo menos uma semana para se qualificar para a disputa do Oscar; por conta disso, a Netflix teve que fechar acordos de exibição com cinemas independentes. Mas, devido à pandemia, a Academia decidiu que projetos exclusivos das plataformas de streaming podem entrar para a disputa sem terem passado no cinema. A medida é temporária; no momento, está prevista para cair quando os cinemas em todo o país reabrirem as portas.

Houve menos lançamentos em cinemas durante esta temporada altamente anormal, mas as plataformas de streaming já estavam financiando vários candidatos importantes antes mesmo de qualquer mudança nas regras. Apesar das medidas decorrentes do coronavírus, já era praticamente garantido que a Netflix e outras plataformas de streaming recebessem mais indicações que nunca. Até plataformas mais recentes como Apple TV+ e Disney+ estão com alguns candidatos na disputa.

A Netflix tem cinco candidatos indiscutíveis a Melhor Filme, cada projeto com um elenco estelar e um diretor de renome: o acima citado Mank, de David Fincher, Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin, Destacamento Blood, de Spike Lee, A Voz Suprema do Blues, de George C. Wolfe, e Era Uma Vez Um Sonho, de Ron Howard.

Ela pode ganhar reconhecimento também pelo sentimental Pieces of a Woman (com Vanessa Kirby, Shia LaBeouf e Ellen Burstyn), o drama sobre imigrantes The Life Ahead (Sophia Loren), a adaptação de um musical da Broadway A Festa de Formatura (Meryl Streep e Nicole Kidman) e o psicodrama Estou Pensando em Acabar com Tudo (Jessie Buckley, Toni Collette e roteiro de Charlie Kaufman, premiado por Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças). Sem ter visto o filme, não está claro se O Céu da Meia-Noite — ficção científica apocalíptica dirigida e protagonizada por George Clooney — tem chances reais de Oscar ou se será sobretudo um filme que vai agradar às plateias, tipo Birdbox.

NETFLIX
Chadwick Boseman, Colman Domingo, Viola Davis, Michael Potts e Glynn Turman em “A Voz Suprema do Blues”.

A Netflix mostrou seu valor nos Oscar pela primeira vez com documentários: recebeu sua primeira indicação por The Square, de 2013, que documentou o levante sociopolítico no Egito. Este ano, Crip Camp: A Disability RevolutionDick Johnson is Dead e Athlete A vão conservar a força da plataforma nessa categoria. No início da década de 2010, a visão generalizada na indústria era que os eleitores da Academia não iam querer glorificar a Netflix – que representa uma ameaça crescente ao mercado dos cinemas – com indicações para as prestigiosas categorias de atuação, direção e roteiro, o que dirá Melhor Filme.

Mas com o tempo, a longa estrada para a paridade começou a assumir ares de uma rodovia mais curta, só que com um pedágio. A Netflix encontrou maneiras criativas de garantir temporadas breves para seus filmes nos cinemas, e suas concorrentes seguiram seu exemplo.

A Netflix contratou publicitários experientes para comandar campanhas multimilionárias voltadas à temporada de premiações. A Hulu fez o mesmo. Em 2918, o drama sobre raça ambientado na Segunda Guerra Mundial Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi ganhou indicações ao Oscar de melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado, confirmando o início de uma nova era.

No ano seguinte, o drama sensível em preto e branco Roma ficou entre os finalistas para o Oscar de melhor filme, apesar de um lançamento contencioso, o admirado Alfonso Cuarón levou para casa a estatueta de Melhor Diretor. Mais recentemente, a Netflix encontrou uma maneira de contornar o problema da distribuição em cinemas, comprando cinemas famosos em Nova York e Los Angeles.

Quando março chegar, é muito possível que a Netflix monopolize a lista para Melhor Filme, composta de cinco a dez títulos.

Pelo menos um lugar nessa lista quase certamente será de One Night in Miami, elogiada estreia de Regina King na direção que a Amazon Studios adquiriu em julho. Com forte teor histórico, Miami mostra a amizade entre Malcolm X (representado por Kingsley Ben-Adir), Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), Cassius Clay (Eli Goree) e Jim Brown (Aldis Hodge), quando os quatro se reúnem numa noite de 1964.

A Amazon terá outros candidatos, incluindo Borat – Fita de Cinema Seguinte, o policial I’m Your Woman, com Rachel Brosnahan, o documentário político All In: The Fight for Democracy e o doloroso documentário Time. Riz Ahmed pode receber uma indicação a Melhor Ator por sua atuação convincente como um baterista abstêmio que fica surdo em Sound of Metal, que a Amazon adquiriu no Festival Internacional de Cinema de Toronto do ano passado.

AMAZON STUDIOS
Leslie Odom Jr., Eli Goree, Kingsley Ben-Adir e Aldis Hodge em “One Night in Miami”, da Amazon.

Enquanto isso, a Hulu tem Palm Springs, comédia romântica que remete a Feitiço do Tempo e que pode se sair bem no Globo de Ouro na área dos roteiros de comédia. O ainda inédito I Am Greta, perfil da jovem ativista climática Greta Thunberg, parece um candidato evidente a fazer parte da disputa por melhor documentário.

Nos últimos anos, a discussão sobre a ascensão dos serviços de streaming enfocou principalmente Hulu, Amazon e Netflix, mas hoje temos mais plataformas a levar em conta. Criada há menos de um ano, a Disney+ anunciou que Soul, da Pixar, não sairá nos cinemas americanos e fará sua estreia digital no dia do Natal. É uma novidade importante, considerando o histórico impressionante da Pixar nas bilheterias. Soul pode ser o terceiro filme da Pixar indicado a Melhor Filme (os outros foram Up – Altas Aventuras e Toy Story 3), com potencial de conferir credenciais significativos à Disney+ desde já.

A Apple TV+, também lançada no ano passado, está com On the Rocks, um dos primeiros filmes criados em sua parceria com o estúdio indie A24. Trata-se de uma comédia melancólica sobre pai e filha que pode valer indicações a Oscar para Bill Murray e à roteirista e diretora Sofia Coppola, cujo simpático Encontros e Desencontros lhe deu o Oscar de melhor roteiro original em 2003. Essa mesma parceria corporativa também rendeu o documentário impressionante Boys State, adquirido por um valor considerável no Festival Sundance, em janeiro.

APPLE
Rashida Jones e Bill Murray em “On the Rocks”, da Apple.

Até a HBO Max, lançada em maio [nos EUA], pode se inserir entre as indicações, graças a On the Record, controverso filme de denúncia sobre os alegados erros de conduta sexual cometidos pelo magnata do hip-hop Russell Simmons. Outras empresas optaram por não adquirir o filme depois de sua estreia em Sundance.

Levando tudo isso em conta, as incursões dos serviços de streaming no ecossistema do Oscar criaram um precedente que tem tudo para perdurar depois que os cinemas voltarem a funcionar normalmente. O retorno à nossa normalidade pré-coronavírus não é iminente, e esta é uma das muitas “novas normalidades” que vão impactar o futuro que nos aguarda do outro lado.

Uma indústria acostumada a discutir o estado de saúde do modelo econômico dos cinemas agora enfrentará uma temporada dominada pelos agentes de subversão contra os quais ela protestou no passado. É claro que também há concorrentes tradicionais na disputa, como Nomadland, da Searchlight Pictures, The Father e French Exit, da Sony Pictures Classics, Minari, da A24, Promising Young Woman e Never Rarely Sometimes Always, da Focus Features, e Tenet, da Warner Bros. Mas daqui em diante a Academia terá mais dificuldade em limitar a proliferação do streaming, na medida em que cada vez mais consumidores associam essas plataformas mais novas com entretenimento de qualidade. Algo que antes era um ponto de interrogação hoje é uma realidade.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

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