A imprensa hegemônica brasileira, o momento atual e o do nazismo

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Por Luciano Martins Costa, jornalista e escritor – 

O Globo e o Estado de S. Paulo consideram desimportantes as manifestações contra o presidente Bolsonaro que, segundo relatos de variadas fontes, reuniram no sábado (29/05) dezenas de milhares de pessoas em todas as capitais e cerca de 200 cidades do país e pelo menos 14 cidades do exterior.

A Folha de S. Paulo registrou os acontecimentos, destacando o fato de que aglomerações do tipo, ainda que de pessoas com máscaras, seriam desaconselhadas diante dos sinais de uma terceira onda de contágios da Covid-19.




O principal telejornal, aquele que dita a agenda política, fez uma cobertura burocrática na noite de sábado, muito distante dos verdadeiros comícios jornalísticos que impulsionaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Nada justifica, mas o que explicaria a vergonhosa omissão de O Globo e O Estado de S. Paulo?
O que explica tal comportamento é que, desde pelo menos o início deste século, a imprensa hegemônica do Brasil se pauta por interesses corporativistas e atua como um partido político. Esses interesses têm claramente um viés conservador e não fazem concessão a uma visão mais ampla, moderna, da política e da economia.

As concessões, quando ocorrem, são feitas sob rigoroso controle e jamais se permite que questionem a linha ideológica. Articulistas que defendem questões sociais, étnicas ou de gênero, direitos de minorias e até mesmo práticas sustentáveis nos negócios, são parte dessas concessões. Soam como vozes dissonantes no contexto reacionário, e por isso impressionam e consolam os aflitos.

A imprensa demonstra entender que Jair Bolsonaro é uma ameaça, mas seus próceres parecem acreditar que ainda podem colocar nele uma focinheira. Talvez até tolerassem um segundo mandato do energúmeno, se ele desse sinais de que aceitaria se afastar do núcleo fascista que o aconselha.

Muita gente já comparou o momento nacional aos primórdios do nazismo. É forçoso lembrar que a História não se repete, mas os ciclos do presente podem se assemelhar perigosamente a eventos do passado.

Por causa de uma amiga querida, voltei a ler o livro “Declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890-1933”, de Fritz Ringer, agora na edição espanhola de 1995.

Não vou me estender em detalhes, mas esse estudo analisa o processo de decadência da cultura alemã do final do século 19 até a ascensão de Hitler, mostrando como a posição olímpica dos intelectuais, que se colocavam acima das questões sociais, contribuiu para o advento do nazismo.

Gosto especialmente dos capítulos que descrevem os embates entre “conservadores” e “modernos” na elite intelectual alemã, porque contextualizam um momento que se torna recorrente na nossa própria História, quando os dois polos do espectro ideológico que funciona como tela de fundo do ativismo cultural se desviam para questiúnculas e se distanciam do desafio central.

É neste ponto que a imprensa hegemônica repete o comportamento daqueles “mandarins” alemães: em seus editoriais, nas escolhas de seus destaques e em suas omissões, demonstra claramente que deseja alguma mudança para que tudo continue como está.

Por isso, não interessa dar destaque a manifestações que, apesar de o bom senso recomendar o isolamento, levam às ruas quem não suporta mais o descalabro em que foi lançado o país.

Por que podemos comparar a imprensa à elite intelectual de outro país e outro tempo? Porque a imprensa cancela todo pensamento realmente dissidente, como faziam os “mandarins” da Alemanha.

Com todo respeito aos pensadores respeitáveis que ainda militam em colunas de jornais e pontificam nos programas jornalísticos: será que não estariam passando verniz num edifício em ruínas?

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