Por Cláudia Versiani, publicado em Carta Capital –
Ele é a representação dos trabalhadores informais brasileiros, que já chegam a 23 milhões
Vai uma massagem ou uma tesourinha? José Anatólio da Silva joga nas onze: construiu uma armadura com ralos de pia para se destacar entre os vendedores de bugigangas, faz massagem terapêutica em domicílio e, nos fins de semana ainda arranja tempo para cuidar de pessoas com necessidades especiais. Ele é um dos 23,3 milhões de trabalhadores por conta própria, ocupação informal que, hoje, garante o sustento de um em cada quatro brasileiros.
Nascido há 57 anos em João Monlevade, interior de Minas, Anatólio morou no Espírito Santo, em São Paulo e na Bahia. Trabalhou numa empresa que prestava serviço para a Petrobras e foi operário em fábrica de ferragens. Na Bahia, entrou no clima do lugar e foi pescador durante seis anos. Já no Rio, também viveu de pesca por um tempo – tinha um barquinho – e mergulhava para pegar lagostas, polvos e mexilhões. No verão arranjou um carrinho para vender sorvete. No inverno, montado numa bicicleta, oferecia panos de chão, flanelas para limpeza e paninhos para pia. Ufa!
Depois resolveu mudar de vida: alugou uma lojinha no bairro boêmio da Lapa, onde por cinco anos vendeu suas quinquilharias. Mas, oh azar, a loja pegou fogo, Anatólio perdeu a mercadoria e teve de começar tudo de novo.
O dicionário de nomes próprios avisa: todo Anatólio gosta de variedades, criações e tem pensamentos voltados a mudanças. No caso do nosso herói, acertou em cheio. Ele não se abateu. Arranjou outra bicicleta e saiu por aí vendendo o que conseguiu salvar do incêndio. Morando no Centro, pedalava um pouquinho, parava no Flamengo, vendia. Pedalava mais um pouco, descansava em Botafogo, vendia. Depois, esticava até Copacabana. E vendia, vendia, vendia.
A estratégia deu certo. Então ele achou que valia a pena, desistiu de alugar outra loja e se firmou na carreira de camelô sobre rodas. Não usava mais a bicicleta para pedalar. Com pneus de vespa, ela carregava seu farto material e ganhou até uma plaquinha: Shopping Bike. A bicicleta foi roubada com toda a mercadoria, mas ele não desistiu. Fez empréstimo, comprou outra e ampliou a oferta: agora são espelhos, relógios, escovinhas variadas, pedras pome, desentupidores de pia e uma infinidade de pequenas utilidades domésticas.
Já lá se vão oito anos. Porém, no meio desse tempo, ele resolveu fazer ralos artesanais. E, para atender os fregueses sem largar os ralos nos quais trabalhava, pendurava-os no pescoço. Aos poucos, começou a usá-los como enfeite, até que chegou à perfeição atual, uma inusitada armadura feita de ralos de pia. Aonde quer que vá, faz sucesso. “Não preciso oferecer a mercadoria, ‘dar em cima’ do cliente. Ele é que me aborda. A armadura cria intimidade, as pessoas a acham bonita. As crianças e até os cães gostam, têm reações parecidas. Às vezes, donos de cachorros saem pra passear e antes passam aqui para o bicho me ‘cumprimentar’, como eles dizem. Você sabe, dono de cachorro trata o animal como gente…”, ri ele.
Mas esse gênio intuitivo do marketing gostaria de ter emprego fixo? “Sim, é claro. Todo mundo quer. Sou calmo e paciente, gostaria de ser cuidador de pessoas com necessidades especiais, acamados, cadeirantes. É a minha ocupação nos finais de semana. Como camelô, se chove não trabalho. Pra me precaver, faço o que posso, recolho INSS como autônomo e jogo na loteria. Não me preocupo com a morte, mas tenho de pensar no futuro”.